23°26′: a inclinação que transformou o mundo – verão, solstício e festas de fim de ano

“Eu sou o sol, sou eu que brilho, pra você, meu amor”… quando pensamos em verão, é difícil não lembrar do refrão do clássico “O Dia Que o Sol Declarou o Seu Amor Pela Terra”, de Jorge Benjor. Muito mais hoje, no primeiro dia do verão de 2024-2025 no Hemisfério Sul! A nova estação chegou às 06h20 (no horário de Brasília), e vai até 20 de março do ano que vem.

Estação de calor, praia, campo… estação de curtir!

Mas, você sabe por que o verão é o verão? E por que esta época do ano – Verão, Natal, Ano Novo – tem tanta importância para o imaginário ocidental? Vamos descobrir!

Um fenômeno astronômico

O ano terrestre, como você sabe, é dividido em quatro estações – Primavera, Verão, Outono e Inverno. São duas estações de maior calor e maior frio ou, então, mais secas ou úmidas, e duas estações em que a temperatura normalmente é mais suave ou mista, alternando calor e frio. Dependendo da região do planeta – especialmente, por conta da latitude, e, também, por efeitos de altitude ou até influência de correntes marítimas – essas quatro estações são mais ou menos marcadas.

Há milhares de anos, as pessoas, com base na observação e na necessidade de sobreviver, perceberam um padrão cíclico na relação entre o movimento dos astros e o andamento do clima. Começava, então, o registro das quatro estações, inicialmente feito de forma empírica – isto é, baseado na experiência vivida. Mais tarde, a partir desses dados, filósofos e cientistas buscaram explicar o porquê de tudo isso.

Zigurate – templo utilizado para observação astronômica – na antiga cidade de Ur, no atual Iraque. A estrutura, restaurada em tempos recentes, foi construída no século 21 a.C.

O “porquê” de tudo isso

As estações acontecem graças a um fenômeno astronômico ligado à Terra e ao Sistema Solar: a translação, que é o movimento do nosso planeta ao redor do Sol (que dura, aproximadamente, 365 dias e seis horas). Outro fenômeno astronômico importante é a rotação, o movimento do nosso planeta ao redor de seu próprio eixo. Ele leva 24 horas (um dia!) e estabelece os dias e as noites.

Agora, imagine um eixo cortando o planeta no sentido norte-sul. Esse eixo tem nome: é o eixo terrestre! Acontece que ele não está em uma posição perpendicular (ou seja, a 90 graus) em relação à linha descrita pela órbita do planeta ao redor do sol (a chamada órbita elíptica), mas em uma inclinação de aproximadamente 23°26‘. É justamente essa inclinação, com o planeta girando ao redor do sol ao longo do ano, que estabelece as estações!

No período de início de verão-inverno (ao redor de 22 de dezembro/21 de junho), um dos hemisférios está mais “iluminado” (ou seja, mais irradiado de luz solar), enquanto o outro está mais “sombreado” (menos irradiado de luz solar); neste momento, enquanto um hemisfério experimenta o dia mais longo, o outro experimenta o dia mais curto do ano. Quando aqui, no Hemisfério Sul, está começando o verão, lá, no Hemisfério Norte, está começando o inverno, e vice-versa.

No período de início de primavera-outono (ao redor de 23 de setembro/21 de março), os raios solares incidem perpendicularmente sobre a Linha do Equador, resultando em dias e noites de igual duração em todo o planeta. O fenômeno ocorre de forma aproximada, mas não é uniforme em todas as regiões devido a efeitos atmosféricos e à refração da luz solar.

E por que essas épocas são tão importantes?

Nascer do sol no monumento megalítico de Stonehenge, na Inglaterra, no solstício de verão (do Hemisfério Norte) de 2018.

As estações são tremendamente importantes em relação ao desenvolvimento da vida na Terra. E isso se explica, especialmente, por conta da luz solar, que é um elemento essencial para o desenvolvimento dos vegetais (e, por consequência, dos animais que deles se alimentam) e para toda a vida.

Isso justifica, ainda, toda a mitologia relacionada ao solstício de inverno do Hemisfério Norte – que tem uma conexão com o Natal e com deuses como o romano Mitras. Lá, o solstício (a que corresponde e se opõe, entre nós, o solstício de verão) marca o dia mais curto do ano e, por conseguinte, o início de dias mais longos. Segundo as antigas crenças religiosas, a “vitória da luz sobre a escuridão” e o renascimento da vida. Legal, né?

E nós, em muitas regiões do Hemisfério Sul, acabamos recepcionando (e até adaptando) essas celebrações de fim de ano por conta da História. A partir do século XV, com as chamadas Grandes Navegações, elas chegaram com as potências coloniais europeias, em especial no contexto religioso do cristianismo. O que, é claro, não significa que os povos que já viviam nesta região do globo não tivessem suas próprias tradições relativas às estações do ano.

Um exemplo? A “Inti Raymi” ou “Festa do Sol”, celebrada pelos incas em por volta de 21 de junho, na época do solstício de inverno do Hemisfério Sul; ela servia para chamar o Sol (o deus Inti) – que andava muito longe – para perto da Terra e, assim, dar início a um novo ciclo de vida e cultivo. Combatida e proibida pelos espanhóis ainda no século XVI, ela voltou a ser comemorada em tempos mais recentes e, hoje, é uma grande celebração entre os povos andinos!

Mulheres bolivianas dançam durante a celebração do Inti Raymi.