#FuturoPresente – Desextinção de espécies: uma conquista… ou um perigo?

Em 1916, Charles Knight pintou o que seria uma manada de mamutes-lanosos. Cientistas querem transformar essa representação em realidade por meio da desextinção. Fonte: Wikipedia.

Você já ouviu falar em “desextinção”? A palavra ainda não chegou ao dicionário, mas já faz parte das conversas e estudos de um grupo de cientistas ligados à área biológica. E, nos próximos anos, ela pode fazer parte da realidade – com consequências que ainda estão sendo avaliadas. Vamos explorar mais o assunto? Siga conosco!

Desextinção

Como o próprio nome indica, a palavra desextinção se refere ao processo artificial de produzir organismos que se assemelham a espécies extintas naturalmente ou pela ação humana, por meio de técnicas como clonagem, edição genética (CRISPR) ou seleção genética.  

De dinossauros a mamutes, de aves como o pássaro dodô a mamíferos como o tigre dente-de-sabre, todas essas espécies, EM TESE, poderiam ser “revividas” e até mesmo reintroduzidas na natureza. E essa possibilidade só passou a ser considerada porque, nas últimas décadas, houve avanços muito importantes nas áreas da genética, da paleontologia e das biotecnologias. Mas, será que é uma boa ideia?

O Velociraptor e o sonho da desextinção

Fonte: Wikipedia.

Em 1993, pessoas em todo o mundo passaram a conhecer um novo tipo de dinossauro, que, de certa forma, substituiu o Tiranossauro Rex (Tyrannosaurus rex) no imaginário dos monstros do passado: o Velociraptor (Velociraptor antirrhopus), fera do período Cretáceo que literalmente “apavorou” as plateias do filme “Jurassic Park”, dirigido por Steven Spielberg (pôster ao lado).

Muito mais do que apresentar um novo dinossauro (e outros mais), porém, o filme fez chegar ao grande público uma ideia que já rondava os cérebros de um grupo de cientistas: ressuscitar espécies extintas usando elementos biológicos e alta tecnologia.

A película, é claro, exagerava bastante as possibilidades e as conquistas científicas (a clonagem de dinossauros ainda é praticamente impossível por motivos que veremos à frente), mas, em certa medida, deixou antever um futuro razoavelmente possível. Com a melhoria das técnicas, novas tecnologias e até com mudanças legais, é válido pensar que, em algumas décadas, teremos, de fato, animais e até mesmo espécies inteiras “renascidas”. Para algumas delas, as possibilidades são maiores; para outras, menores. Vamos saber mais.

Quando tudo começou

Falar sobre as possibilidades de desextinção de espécies só é possível graças à descoberta da chamada estrutura de dupla hélice do DNA, em 1953 pelos cientistas Francis Crick (Inglaterra) e James Watson (Estados Unidos). Eles, aliás, receberam o Prêmio Nobel de 1962, em Medicina e Fisiologia, graças a este estudo – um reconhecimento 100% merecido! Outra cientista essencial nessa descoberta foi a química inglesa Rosalind Elsie Franklin, cujos estudos sobre estruturas moleculares ajudaram muito na compreensão da “molécula da vida”.

Rosalind Franklin, Francis Crick e James Watson: os “pais da matéria” no campo dos estudos genéticos. Fonte: Wikipedia.

Conhecer o DNA ou ácido desoxirribonucleico – molécula que contém as informações genéticas de todos os seres vivos e é responsável por determinar as características individuais de cada espécie – abriu um campo de pesquisas gigantesco, das doenças genéticas e sua cura à criminologia. Hoje, graças à genética, as pessoas podem conhecer suas origens mais remotas e também algumas doenças de que poderão vir a sofrer no futuro. As aplicações desse novo campo da ciência, porém, vão muito mais longe!

O “segredo” da desextinção reside na manipulação genética com técnicas de “editam”, “costuram” ou “somam” genes ao DNA. Fonte: Getty Images.

Trabalhando com o DNA

Depois de conhecer o DNA – e o DNA da nossa própria espécie, que foi inteiramente sequenciado no ano de 2003, pelo Projeto Genoma Humano –, os cientistas passaram a buscar formas de chegar até ele para corrigir eventuais configurações responsáveis pelas doenças genéticas. Entre essas doenças estão a anemia falciforme, a fibrose cística, a fenilcetonúria e a hemofilia tipo A, que afetam milhões de pessoas em todo o mundo.

Nesse processo surgiram as duas principais técnicas utilizadas atualmente: a terapia genética e a edição de genes.

Representação artística da edição genômica. Fonte: Programa de Educação Genômica, Departamento de Saúde do Reino Unido.

Em termos simples, a terapia genética envolve a inserção de genes funcionais em um organismo para substituir ou complementar genes defeituosos – isto pode ser feito por meio de vírus modificados, que funcionam como vetores para “entregar” o DNA.

E a edição de genes envolve a modificação direta do DNA existente, que é seccionado e tem sequências específicas corrigidas. O chamado CRISPR-Cas9 é a técnica mais conhecida e precisa.

Embora essas técnicas sejam amplamente utilizadas na medicina, elas também estão sendo estudadas como ferramentas para um objetivo ainda mais ousado: trazer de volta espécies extintas.

Desafio de Costura”

“Operar” genes adicionando peças ao quebra-cabeça ou editando sequências não é uma tarefa fácil, simples ou barata. No caso dos projetos de desextinção, há, ainda, um complicador: o fato de que, com o passar do tempo, as estruturas genéticas – o DNA – também se alteram e decaem.

Em termos figurativos, seria algo como recortar ou remendar uma peça de tecido. Se ela está inteira e forte, é possível costurar sem grandes problemas; se, porém, está fragilizada – rasgada ou apodrecida –, é muito mais difícil! Como incorporar remendos, por exemplo? Como costurar um tecido que está se quase desmanchando?

Agora, imagine um “tecido” – uma sequência de DNA – que tenha 80 milhões de anos (como a de um velociraptor) ou “apenas” seis mil anos (como a de um mamute-lanoso). Ambos um dia estiveram intactos, mas, ao longo do tempo, sofreram um lento e contínuo processo de degradação que envolve fatores ambientais. Será que, com as tecnologias e as metodologias disponíveis atualmente, é possível “costurá-las” para recuperar o “tecido” original – o ser vivo extinto? Essa é a grande questão que intriga os cientistas da desextinção até hoje!

Projetos em andamento

Como vimos, a integridade do DNA – do “tecido da vida” a que nos referimos – é fundamental para o eventual sucesso dos projetos de desextinção. O que implica afirmar que, quanto mais antiga a amostra, ou quanto menos disponível ela estiver, mais difícil será ter sucesso no processo. O que, pensando nos dinossauros ferozes de “Jurassic Park”, talvez seja uma boa notícia…

Observado esse ponto, chegamos aos projetos que estão em andamento. Vamos focar em um deles que é emblemático porque se liga tanto à pré-história quanto ao papel humano na extinção.

Antes, porém…

Vamos responder a uma pergunta-central: algum animal já foi desextinto? Sim. Em 2003, utilizando técnicas semelhantes às usadas para a clonagem da ovelha Dolly, cientistas espanhóis e franceses conseguiram reproduzir um íbex-dos-pirineus ou bucardo (Capra pyrenaica pyrenaica), espécie extinta havia muito pouco tempo. Em virtude de problemas pulmonares, porém, o filhote sobreviveu por apenas algumas horas.

Íbex-dos-pirineus, primeiro animal a ser desextinto. O sucesso do projeto, porém, foi relativo. Fonte: Wikipedia.

A volta do mamute-lanoso

Voltemos ao projeto em andamento: ele é desenvolvido por cientistas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e quer reviver o mamute-lanoso (Mammuthus primigenius), extinto há cerca de 4 mil anos pela ação dos nossos antepassados.

A técnica utilizada, nesse caso, se baseia na edição genética de células do elefante asiático, que é muito semelhante aos ancestrais peludos. Na medida em que existem muitos restos de mamutes-lanosos – descobertos na tundra, inclusive em virtude do aquecimento global –, as chances de se encontrar de DNA preservado são grandes. Esse DNA, ao ser sequenciado, oferecerá um “mapa” para a edição genética do DNA dos elefantes asiáticos.

“Rato-lanoso”, criado em laboratório pela manipulação de genes para torná-lo semelhante, em pelagem, aos mamutes-lanosos. Fonte: Wikipedia/Nature.

A pesquisa está caminhando bem. O maior desafio está na produção de um útero artificial que possa receber os embriões da “nova-velha” espécie.

Mas, por que clonar o mamute-lanoso? Os cientistas apontam dois motivos: 1) – ao ser reintroduzidos na natureza, os animais poderiam ajudar a proteger um bioma, a tundra, muito fragilizado atualmente; e 2) – a pesquisa também ajuda a fornecer dados sobre o elefante asiático, espécie que intriga os cientistas por apresentar uma baixíssima incidência de câncer – ao conhecer os fatores por trás desta resistência, seria possível descobrir caminhos para prevenir e tratar o câncer entre os seres humanos.

Possibilidades e desafios éticos

Não há dúvida de que a desextinção é um tema científico fascinante. Ao mesmo tempo, porém, ele gera dúvidas, apreensões e questões éticas. Isso porque, em certa medida, a possibilidade de fazer espécies voltarem à vida coloca a nossa própria espécie na condição de criadora, de “divindade”, algo que foi explorado magistralmente em obras literárias como “Frankenstein”, de Mary Sheeley, e “A Ilha do Dr. Moreau”, de H. G. Wells. Uma condição de enorme poder – e enorme responsabilidade também!

Cuidando do mundo que existe

Se, por um lado, o sucesso em processos de desextinção pode levar ao repovoamento de biomas onde as espécies foram extintas pela ação humana, mais recentemente – o que é positivo, inclusive pela recomposição das cadeias que formam a “teia da vida” nestes ambientes –, por outro ele pode levar, também, a um desleixo da nossa espécie em relação às espécies existentes. Se elas podem ser recriadas a qualquer momento, por que se preocupar em mantê-las?

O mundo possui milhões de espécies, muitas das quais em risco de extinção pela ação humana. Fonte: Getty Images.

É preciso considerar, também, os custos envolvidos nos processos de desextinção, que se mostram muito altos nos projetos em andamento atualmente. Não seria mais inteligente utilizar esses recursos para preservar e promover espécies em risco de extinção pela ação humana?

E as extinções naturais?

É preciso pensar, ainda, no fato de que a extinção de espécies também é um processo natural, estabelecido ao longo de milhões de anos sem a interferência humana. Em outras palavras: o ser humano é um agente importante de extinção, mas não é o único. Apenas para se ter uma ideia, os cientistas estimam que, das 4 bilhões de espécies que passaram pelo nosso planeta ao longo dos últimos 500 milhões de anos, 99% (3,96 bilhões) foram naturalmente extintas!

Fóssil de um arqueoptérix (Archaeopteryx lithographica), dinossauro voador que viveu há 150 milhões de anos. Fonte: Getty Images.

Na medida em que esse processo também implica modificações nos biomas e nas próprias relações entre espécies, pode ser muito arriscado reintroduzir espécies desaparecidas, em especial as que viviam em outras eras geológicas. O melhor aviso a esse respeito, vindo do campo da arte, é dado pelos dinossauros de “Jurassic Park”, que fogem ao controle de seus criadores e geram um caos total. Bem observado!

Responsabilidade pelas espécies

Por fim, mas não menos importante, é a percepção da nossa responsabilidade. Na medida em que a espécie humana consiga ressuscitar espécies, ela se tornará automaticamente responsável por elas, por sua presença no mundo e por seu bem-estar. Criar espécies por mero desejo de conhecimento, por exemplo, seria um erro extraordinário.

Conclusão: desextinção, sim ou não?

Ao olhar para as ideias e para os projetos que focam no “renascimento” de espécies, podemos pensar em um tema que é muito importante para a educação: o letramento, que é a capacidade de “ler o mundo”, criticamente, a partir de um conhecimento prévio – da alfabetização. O domínio das técnicas de modificação genética, como vimos, é cada vez maior e pode levar a grandes conquistas, das desextinção de espécies à cura de muitas doenças. Isso, aliás, já está acontecendo. Com um grande conhecimento, porém, nasce um grande poder – e uma responsabilidade equivalente! E é aí que entram em cena o letramento, a ética e uma percepção mais profunda da realidade e das consequências do que se está produzindo.

Na sua opinião, as pesquisas focadas na desextinção de espécies são mais benéficas ou mais prejudiciais ao mundo? Pense nisso!

Para ir mais longe – links e notícias interessantes

Programa de Educação Genômica, Departamento de Saúde do Reino Unido – “O que são edição genômica e terapia genética? (em inglês)

Portal G1, Ciência“Cientistas querem trazer espécies extintas de volta ainda nesta década; veja as promessas e entenda críticas”

Portal G1, Ciência – “‘Camundongo-lanoso’: empresa diz ter criado animal peludo com genes dos mamutes que quer ‘ressuscitar'”

CNN Brasil“‘Ciência da ressurreição’ ganha força: será que vamos reviver espécies?”

Veja“Mamute e Dodô: Empresa que pretende reviver animais extintos recebe aporte milionário”

Site oficial da Colossal Laboratories e Biosciences, empresa responsável pelo processo de desextinção do mamute-lanoso (em inglês)

Yale Environment 360, revista da Universidade de Yale (EUA) – “Apesar dos esforços para reviver espécies, a extinção ainda é para sempre” (em inglês)

Revista Nature “Desextinção: tecnologia de laboratório digital dá suporte a um ‘projeto mamute’” (em inglês)