Em 2025, é raro encontrar quem se surpreenda com aviões ou com o próprio voar usando uma tecnologia motorizada. Afinal, as aeronaves e sua capacidade de conectar lugares distantes a partir do céu fazem parte da vida humana há cerca de 120 anos, desde os voos pioneiros de Santos Dumont, Gustav Weisskopf, Orville e Wilbur Wright, entre outros. Os aviões, enfim, chegaram e somaram todo um universo cultural ao nosso tempo.

Em tempos mais recentes, os céus também foram invadidos por outras tecnologias aéreas. Por helicópteros já nos anos 1940 e, especialmente, pelos drones nos últimos anos, que, aliás, ganharam enorme popularidade. E já circulam por aqui e por ali protótipos de “carros voadores”, inclusive um brasileiro, desenvolvido pela Embraer!, que sinalizam o início de uma nova era de circulação pelos céus, baseada nas chamadas “asas rotativas”, em que rotores poderosos, hélices e controles precisos vencem a força da gravidade e conduzem os voos.
Há, porém, um outro tipo de tecnologia de voo na mira dos cientistas, baseada no voar de aves e insetos. A do chamado “ornitóptero” – do grego “asa de ave” ou “máquina com asas de ave” –, que busca replicar o bater das asas.
Nesta edição “voadora” de #FuturoPresente, vamos investigar essa nova e surpreendente fronteira do voo. E você vem com a gente!

A asa e a gota
Antes de explorarmos essas inovações, vale entender como o voo “tradicional” funciona, e por que a natureza ainda pode nos dar lições preciosas sobre outras formas de voar.
A grande “sacada” dos primeiros teóricos do voo, figuras como Isaac Newton, Daniel Bernoulli e George Cayley, foi compreender o princípio de sustentação em asa fixa, que faz com que planadores e aviões permaneçam no ar e não caiam. Esse princípio gera o que, em ciência, chama-se planagem.
O princípio começa no perfil aerodinâmico da asa; é o do aerofólio, que, em grande medida, vale também para as hélices.
Para entender, imagine uma gota de água deitada, com a parte inferior reta e a superior arredondada. Incline essa gota levemente para cima, como se estivesse subindo uma rampa. Pronto: você tem o formato básico de uma asa e de uma hélice! Mas como ele permite o voo?

Boa pergunta! Pense, então, que a asa ligeiramente inclinada para cima está em um avião que corta o ar. A divisão desse ar não é igual em ambos os lados: o que passa por cima é “esticado”, acelera e reduz a pressão devido ao caminho mais longo do ar pela superfície superior. Já o que passa por baixo, pelo lado mais reto, mantém a pressão constante. Essa diferença de pressões cria uma força para cima — a sustentação. E a inclinação? Ela direciona ainda mais ar para baixo, reforçando o efeito!
O princípio de sustentação em asas fixas e das hélices é soberbo! Tanto, que permanece em uso pelos aviões, helicópteros e drones, inclusive em projetos recentes. Na natureza, o mesmo princípio é utilizado por animais, insetos e até por sementes que planam.
Nesses seres, porém, normalmente não há uma diferença entre asa e propulsão. Ou melhor: neles, as asas são usadas também como elementos de propulsão quando agitadas, enquanto que, nos aviões, as asas são fixas e os motores é que geram a propulsão. Já nos helicópteros e nos drones, as asas conectadas a um eixo são giradas em alta velocidade, fazendo com que as pás “cortem” e “escalem” o ar.
Onde estão os “aviões que batem asas”?
Mas, afinal, por que não temos aviões que “batem asas”? Ou será que eles já estão por aí? E eles poderiam receber o nome de “avião”?
Antes de responder a essas perguntas, é interessante observar a curiosidade humana e sua busca permanente por opções tecnológicas mais eficientes – hoje em dia, acrescida de elementos ligados à sustentabilidade.
As asas fixas e os motores a pistão, a jato e elétricos são altamente eficientes e parecem ter chegado ao que, em ciência, se chama “estabilidade tecnológica”, um estado de perfeição em que já não há muito para onde avançar. É possível, sim, melhorar os combustíveis, os materiais e até os cálculos estruturais, mas não os princípios de funcionamento.
Isso, por um lado, é algo muito bom porque aumenta a segurança no uso da tecnologia. Por outro, pode despertar a curiosidade e inspirar a disrupção, ou seja, uma ruptura com o conhecido em busca de uma solução totalmente diferente. E é justamente aí que mora o interesse dos cientistas da chamada Biomimética (do grego “imitação da vida”), que estão de olho no voo das aves e insetos. Mas, será que é um interesse tão novo assim?
Na verdade, a busca pelo ornitóptero resgata um dos mitos mais antigos do Ocidente, o de Ícaro, que descreve um “humano voador” dotado de asas de cera de formato semelhante às dos pássaros. Em seus voos, Ícaro planava e também batia as asas, gerando propulsão. Ele acabou caindo, porém, justamente porque suas asas, coladas com cera, derreteram sob o sol e perderam capacidade de sustentação.
Podemos pensar, também, em Leonardo da Vinci e em seus geniais estudos sobre a anatomia das asas das aves e sobre uma máquina voadora de asas móveis, expressos no “Códice Atlântico” e no “Códice Sobre o Voo dos Pássaros” (1505–1506). Em síntese: a busca pelo ornitóptero é algo ao mesmo tempo novo… e eterno! Mas, por que será que a máquina voadora de Da Vinci não voou? Vamos descobrir.

Questão de motor
Pode reparar: quando o assunto é avião, normalmente os motores, sejam eles a jato ou hélice, com pistão, são grandões e demandam grandes quantidades de combustível, que fica armazenado em reservatórios sob as asas. Um Boeing 747, por exemplo, consome entre 4 e 10 litros de combustível por segundo! Esse volume todo aponta para a enorme dificuldade que é vencer a gravidade, manter a aeronave no ar e deslocá-la de um ponto a outro.
Agora, imagine um pássaro. Uma águia ou, para usar um exemplo ainda mais radical, um beija-flor, que produz entre 50 e 80 batidas de asa por segundo. Batendo asas, voando, movido exclusivamente por seu sistema neuromuscular e pela energia obtida dos alimentos. Uma “solução” muito mais leve e, aparentemente, menos custosa em termos energéticos que a dos aviões.

Como esses bichos conseguem? Seria possível criar rapidamente tecnologias semelhantes a essa configuração biológica aprimorada ao longo de milhões de anos?
Perguntas como essas animam os engenheiros que buscam “copiar” a natureza. E é justamente aí que reside a falha no projeto de Da Vinci: batendo as asas com os próprios braços, o operador de seu ornitóptero simplesmente não conseguiria gerar a força necessária para voar. E olhe que não entramos no mérito do planar, que talvez também fosse complicado pela flexibilidade extrema das asas do engenho, que se assemelham às de um morcego. Os princípios do projeto, porém, são geniais. O que falta é motor!
Os novos ornitópteros
Os grandes desafios no campo das “aves artificiais” são: 1) – Obter sistemas de energia compactos e leves, que possam ser embarcados e sustentados sem problemas, como acontece com o organismo das aves; 2) – Fazer com que esses sistemas gerem energia suficiente para sustentar batidas de asas lentas e rápidas por muito tempo; 3) – Dispor de controles eficientes de estabilidade em um mecanismo totalmente diferente dos que já conhecemos; 4) – Dispor de materiais que permitam a oscilação das asas em maior frequência sem riscos de fratura por fadiga.
E é por aí que caminham os novos projetos, que já envolvem inteligência artificial associada e investigações sobre fontes de energia e materiais.
O desafio, porém, é gigantesco. E é justamente por isso que, hoje, ainda não encontramos ornitópteros semelhantes aos mostrados em séries como “Duna” – estruturas massivas e impressionantes que parecem o cruzamento entre um helicóptero militar e uma libélula.
Prodígios em pequena escala
Enquanto os desafios são monumentais, os avanços em microescala já impressionam. Há vários protótipos promissores, voltados a estudos de aerodinâmica e, também, a tarefas de vigilância.
É o caso dos ornitópteros não tripulados DelFly modelos “Micro”, “Delfly II”, “Explorer” e “Nimble”, desenvolvidos desde 2005 pelo laboratório de micro-veículos aéreos da Universidade de Tecnologia Delft, dos Países Baixos, um dos maiores centros de pesquisa em tecnologia da Europa.
O sistema de voo dessas máquinas de asas superflexíveis com e sem cauda se baseia, principalmente, no voo de insetos como as moscas da fruta. Elas são capazes de decolar e pousar verticalmente e, o mais impressionante, realizar mudanças de direção como as executadas normalmente e em milissegundos pelas moscas. Agora, imagine esta habilidade em uma aeronave militar…
Outro projeto de destaque é o SmartBird, ornitóptero desenvolvido pela Festo, gigante alemã da automação. O “bicho”, produzido em fibra de carbono, fibra de vidro e espuma de poliuretano, tem como modelo a gaivota prateada. A envergadura de asas é de quase dois metros por um metro de comprimento – e massa de 450 gramas.
A grande sacada do projeto, segundo os especialistas na matéria, reside na capacidade de torção direcionada das asas, que se soma aos movimentos padrão de subida e descida. Esse movimento de “remada no espaço”, gerado por um pequeno motor elétrico de 23 W, imita perfeitamente o voo da gaivota e gera uma eficiência aerodinâmica de mais de 80%, muito semelhante à das aves reais!
Por fim, mas não menos importante é o “Raven” – Veículo Robótico Inspirado em Aves para Múltiplos Ambientes –, um pássaro-robô desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Sistemas Inteligentes (LIS) da Escola de Engenharia da Escola Politécnica Federal de Lausana, Suíça. Seu diferencial? Além de voar como os pássaros gastando o mesmo de energia que uma lâmpada de LED, ele também é capaz de pousar em galhos e outras superfícies instáveis – o que representa um passo a mais em termos de biomimética.
Conclusão – desafios de peso, tamanho e embarque
Ao longo do século XX, a aeronáutica registrou alguns experimentos com ornitópteros de maior envergadura, como os de Alexander Lippisch, Edward Frost e Percival Spencer. Esses projetos, porém, partiam do desenho dos próprios aviões, ou seja, adotavam a mesma estrutura, com a diferença de mover as asas para cima e para baixo em alguns momentos. Mas, não se mostraram tão eficientes ou economicamente interessantes, algo que pode ser comprovado pelo fato de terem sido descontinuados.
Em nossa época, como vimos, os objetivos são mais ousados. Eles começam a se materializar em pequena escala, em máquinas não tripuladas que caminham mais para o nicho dos drones do que para o dos aviões. Os desafios, então, residem em aprimorar os modelos e aumentar suas dimensões, o que, em tese, permitiria transportar cargas e pessoas em segurança, de forma sustentável em termos econômicos.
E é aí que está o “pulo do gato”. É possível que, com apoio da IA em todas as áreas envolvidas no desenvolvimento de ornitópteros – biomimética, aerodinâmica, materiais, energia e controle -, seja possível, enfim, voar presencialmente (ou seja, com pilotos embarcados) como os pássaros e os insetos. Esse futuro, porém, já começou. É #FuturoPresente!