
Uma linha perfeita, coroada no horizonte pelo sol que começa a nascer. Uma vasta curva que toma conta de quase todo o planeta e faz com que, do espaço, a Terra seja vista como o que ela é: um planeta azul. A causa? Os oceanos. Que nos separam, conectam e desafiam; que nos alimentam, fascinam e assustam. E que, infelizmente, estão em risco, ao mesmo tempo em que seguem revelando seus segredos para a ciência – e continuam guardando muitos mistérios!
Nesta edição de #FuturoPresente, vamos conhecer algumas das pesquisas mais recentes no campo dos oceanos! Navegue conosco.
🌊 “Um continente oceânico”
Vista do espaço, a Terra é uma “bola” azul com manchas amarronzadas, esverdeadas e brancas, das terras, geleiras e bancos de nuvens. A predominância de cor está relacionada a algo que você, mesmo morando longe da praia, conhece: os oceanos, que ocupam cerca de 71% da superfície do planeta. Uma superfície enorme, mas proporcionalmente muito fina – quase uma “película”.

Imagine que, em média, a crosta oceânica possui 7 km de espessura e que o diâmetro médio do nosso planeta é de 12.742 km. Ou seja: a crosta oceânica equivale a apenas 0,055% do diâmetro total da Terra; se o planeta “medisse” um metro, a crosta oceânica teria 0,5 milímetro! Nesse minúsculo intervalo, porém, reside a chave para o clima do planeta e para algo que é muito raro em termos siderais: a vida.
Mais do que apenas mostrar proporções – os limites, a grandeza e até a fragilidade dos oceanos –, esses números sinalizam que a espécie humana se aproximou e passou a desvendá-los. E isso tem nome: cultura.
🌊 O oceano e a cultura
É difícil estabelecer quando começou a relação entre as pessoas e os oceanos. Afinal, de uma forma ou outra, a vida se liga desde sempre aos oceanos. Fiquemos, então, apenas nas relações culturais, que são tão antigas quanto o assentamento de seres humanos próximo a áreas marítimas, há cerca de 16 mil anos. É possível, inclusive, que essa datação recue ainda mais, em especial porque, hoje, muitos dos antigos sítios estão submersos por conta de mudanças naturais no relevo.

Essa proximidade, é claro, gerou religiosidade, mitos, tecnologia, conhecimentos associados à nutrição e muito mais. Uma relação que se aprofundou com o início da navegação oceânica, há cerca de 5 mil anos pelos egípcios e também pelos polinésios, malaio-indonésios e outros povos do sudeste asiático. Os mares, que até então separavam porções de terra, passaram a uni-las.
Desde então, fomos acumulando informações sobre os oceanos, em um processo que se acelerou com a Revolução Científica, a partir do século XVIII. Registramos e descrevemos espécies marítimas, conhecemos as correntes e seus regimes, descobrimos a relação entre os oceanos e o clima, cartografamos o fundo dos mares.
Mesmo assim, esse azul todo segue revelando novidades, inclusive relativas à sua própria sobrevivência em um tempo de enorme pressão causada pela própria humanidade.
🌊 As espécies que habitam o grande azul
Um dia fantástico no mar: o pescador puxa a rede e ela vem pesada de peixes e crustáceos. Pequenos, grandes, coloridos, cinzentos, lisos e espinhosos. Um espetáculo de abundância para os olhos e para a cozinha. E que nos convida a perguntar: afinal, quantas espécies existem nos oceanos?
Desde o século XVIII, quando começou a classificação científica, foram catalogadas cerca de 250 mil espécies. Esse número gigantesco – que inclui peixes, moluscos, crustáceos, mamíferos marinhos, algas, corais e plâncton, entre outros – é bem menor, porém, que o estimado pelos cientistas. Eles acreditam que existam entre 500 mil e 1 milhão de espécies nos oceanos, muitas delas ainda desconhecidas por conta da dificuldade de acesso a certas regiões, como os fundos abissais, fontes hidrotermais marinhas ou sob camadas de gelo nos polos. Estamos falando, enfim, em algo como 50% e 75% de espécies ainda desconhecidas!

De vez em quando, porém, alguns desses “bichos novos” acabam se mostrando ou, então, são contatados por pesquisadores mais audaciosos. Um exemplo interessante é o do “panda-esqueleto-do-mar” (Clavelina ossipandae), um peixe muito peculiar, de 2 cm de comprimento, descoberto e classificado por cientistas japoneses em 2023 na ilha de Kumejima.
Um animal transparente, com uma rede de vasos sanguíneos aparentes e semelhantes, em sua estrutura, a um esqueleto! Detalhe: o panda-esqueleto foi encontrado a apenas 20 metros de profundidade, em um ambiente alcançado pela luz solar, o que mostra que as novas espécies não vivem apenas nos abismos oceânicos; elas também podem estar bem perto!
🌊 Agora, imagine só o que vive nos abismos…
Sim, por incrível que pareça, esses lugares inóspitos para os seres humanos também guardam um verdadeiro tesouro de vida que, aos poucos, vai sendo revelado. Na medida em que as tecnologias avançam, é possível mergulhar mais fundo nas fossas submarinas, ambientes extremos por conta da enorme pressão exercida sobre os seres e objetos (um exemplo: no fundo das Fossas Marianas, a 11 km de profundidade, a pressão é 1.100 vezes maior que no nível do mar!).
Pois foi em um desses abismos – a Fossa de Atacama, localizada entre o Peru e o Chile, a 7 km de profundidade – que em 2022 os cientistas descobriram uma nova espécie, batizada de “peixe-caracol azul do Atacama” (ou, no registro científico, Paraliparis selti).

O pequeno peixe, de pouco menos de um centímetro, é parente de outros peixes caracóis comuns nas águas rasas da região. Contudo, a espécie evoluiu e se desenvolveu nas profundezas, um ambiente inviável para quase todas as espécies que vivem no planeta. Basta pensar que, para chegar lá, os seres humanos usam robôs blindados ou, então, sinos de mergulho poderosíssimos, capazes de resistir à pressão intensa.
Mas, como ele consegue? A resposta está na adaptação e na evolução, que fez com que seu corpo se tornasse gelatinoso e resistente à pressão brutal; além disto, ele não possui bexiga natatória, órgão comum aos peixes (ele regula a profundidade), mas que, em um contexto abissal, é totalmente inútil.
Além dos peixes-caracóis do Atacama, espécies como o polvo-dumbo (do gênero Grimpoteuthis) ou os vermes de Pompeia (Alvinella pompejana), que sobrevivem perto de fontes marinhas hidrotermais superquentes, mostram como a vida se adapta a ambientes inóspitos.
🌊 Dois exemplos, grandes lições
As espécies que citamos – apenas duas, entre dezenas descobertas e classificadas a cada mês – reservam algumas lições. A primeira é a percepção de que o oceano não é, apenas, um grande bioma; ele, na verdade, forma um universo riquíssimo, de semelhanças e diferenças significativas, dadas pela profundidade e por muitos outros fatores.
A segunda lição é a de que as novas espécies são promissoras em termos de conhecimento sobre a vida e, também, sobre caminhos para a própria ciência. Imagine, por exemplo, o que os peixes caracóis azuis do Atacama podem nos revelar sobre materiais resistentes a grandes pressões.
Por fim, mas não menos importante: as novas descobertas nos lembram de nossa própria responsabilidade em relação aos oceanos e a toda a vida. Estamos, enfim, diante de uma teia extraordinária (da qual fazemos parte), antiga, poderosa e resiliente, mas, ao mesmo tempo, muito frágil.
🌊 As novas tecnologias nos oceanos
Grandes desafios implicam grandes soluções, que implicam estudo e conexões entre conhecimentos e tecnologias já existentes. Pois é exatamente esse o caminho das novas tecnologias que estão ajudando a revelar mais e mais sobre os oceanos. Uma fronteira que, como já afirmamos, é enorme, complexa e, muitas vezes, de difícil acesso. Mas que, aos poucos, vai sendo cartografada e analisada em diferentes aspectos – geográficos, biológicos, fisioquímicos, geológicos, meteorológicos etc.
Tomemos como exemplo desse avanço duas tecnologias recentes, começando pela dos robôs submarinos de última geração, os chamados AUVs, que mapeiam o fundo dos oceanos com ajuda da inteligência artificial. Um exemplo emblemático é o do veículo de operação remota ROV SuBastian, do Schmidt Ocean Institute (dos Estados Unidos), capaz de mergulhar a 4.500 metros levando equipamentos de pesquisa.
Em suas jornadas, até o momento esse “robô marinho” (e outros equipamentos do Instituto) descobriu nada menos do que 20 espécies. Eles também podem encontrar naufrágios, mapear depósitos de minerais de interesse comercial no leito marinho e mensurar áreas oceânicas em risco (como certas zonas de corais).
A segunda tecnologia de alto impacto vem das alturas: falamos do SWOT (Surface Water and Ocean Topography – Topografia da Água Superficial e do Oceano), missão de satélite lançada em 2022 pela Agência Espacial dos Estados Unidos (NASA) e pela Agência Espacial Francesa (CNES).
Sua meta é “olhar” para os cursos de água (rios, que são tributários dos mares) e estabelecer o nível exato dos oceanos; e, de quebra, conhecer a fundo o ciclo da água e mapear as correntes marítimas. Com isso, em breve será possível construir modelos climáticos ainda mais precisos, que auxiliem a humanidade a responder melhor à crise climática, e promover rotas de navegação mais sustentáveis.
🌊 A humanidade no centro do problema

Nos últimos séculos, em especial a partir da Revolução Industrial, a humanidade passou a exercer uma pressão enorme sobre os oceanos, com consequências como o desaparecimento de espécies (o exemplo mais conhecido é o das baleias, que tiveram 4 espécies extintas ou levadas a um declínio irreversível pela caça), a ruptura de cadeias alimentares (pela sobrepesca e pela pesca de arrasto), o surgimento de “ilhas de plástico” provocadas pelo acúmulo de detritos (que já cobrem uma área de 1,6 milhão de km² – mil vezes a área da cidade de São Paulo!) e, mais recentemente, o aquecimento e a elevação do nível das águas oceânicas (atualmente, em 4,5 mm ao ano) em virtude do efeito estufa.
🌊 O que pode vir por aí
Os cientistas, é claro, conhecem a maior parte das causas e podem testemunhar e antecipar muitos de seus efeitos. Um deles, sistêmico e muito poderoso, é justamente o associado à relação entre os oceanos e o efeito estufa.
O “aprisionamento” do calor na superfície terrestre já está provocando consequências como o derretimento de geleiras e a redução da salinidade das águas, que desregula o mecanismo das correntes oceânicas, que são dependentes da diferença de densidade entre água salgada e doce. Com menor salinidade, a água doce não afunda, enfraquecendo ou até paralisando a circulação do oceano.
No caso específico do Atlântico Norte, os cientistas perceberam que, desde os anos 1950, a Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC), que inclui a Corrente do Golfo, perdeu 15% de sua força, e que pode estar perto de um ponto de virada. Se essa circulação acabar, as consequências serão dramáticas em relação ao clima da Europa Ocidental, que é mais ameno graças às correntes oceânicas quentes. Ele passaria a ser muito mais frio, afetando todas as formas de vida na região.
🌊 O conhecimento como caminho para salvar os oceanos
É complexo e mesmo trágico perceber que a ciência e a tecnologia, responsáveis pelos maiores avanços da humanidade, tenham sido as mesmas que aceleraram o colapso dos oceanos e dos ecossistemas. Nessa mesma fonte, porém, está a chave para a reversão – desde que aplicada com urgência, ética e um compromisso inadiável com o futuro da vida marinha.
Nas últimas décadas, por exemplo, uma moratória internacional à caça da baleia fez com que muitas espécies de cetáceos começassem a recuperar suas populações. Para isso, porém, foi necessário chegar a um consenso político construído graças aos aportes de conhecimentos científicos e à pressão de uma sociedade sensibilizada para o problema. As pessoas, enfim, perceberam que a caça às baleias trazia mais prejuízos do que benefícios – e decidiram agir, cobrando ações de seus representantes.

A mesma intencionalidade pela mudança, a mesma pressão política, é essencial para ir além do salvamento das baleias. É preciso, também, pensar em termos de consumo mais racional (de alimentos, roupas, tecnologias), de apoio às energias renováveis, de redução do uso de combustíveis fósseis e de eliminação de desperdícios. De fortalecimento, enfim, de uma consciência ambiental que cresce na sociedade a partir do conhecimento.
🌊 Para ir mais longe
Alguns links interessantes sobre o tema dos oceanos:
🌊 Década da Ciência Oceânica (ONU)
Iniciativa global da ONU para promover a pesquisa e a proteção dos oceanos.
🧬 Ocean Biodiversity Information System (OBIS)
Base de dados internacional que reúne informações sobre a biodiversidade marinha.
🚀 Missão SWOT (NASA/CNES)
Detalhes sobre o satélite que está mapeando a topografia da água na Terra.
🐟 Schmidt Ocean Institute – Descobertas recentes do robô SuBastian
Relatórios e vídeos sobre as explorações e espécies descobertas.
🐋 International Whaling Commission – Proteção das baleias
Informações sobre a moratória da caça às baleias e suas consequências.
🧪 Revista Science – Artigos sobre biologia marinha e mudanças climáticas
Pesquisas recentes e revisadas por pares sobre oceanos.