Vamos fazer um exercício de imaginação: você está prestes a vestir uma armadura. Pode até pensar naqueles torneios da Idade Média ou, então, em samurais ou soldados romanos marchando com suas couraças e elmos. Acontece que o que você vai vestir não é bem uma armadura… mas um exoesqueleto! Isso mesmo: um “esqueleto de fora para dentro”, se vale a brincadeira, com características e aplicações que já estão revolucionando os campos da indústria, da medicina e até das guerras. E é sobre esse fantástico avanço científico que nós vamos conversar nesta edição de #FuturoPresente. Venha com a gente!
No início, eram as armaduras

No parágrafo anterior, associamos armaduras a exoesqueletos. Mas, fora o “jeitão”, no que elas se assemelham? Boa pergunta! Armaduras e exoesqueletos partem de um mesmo princípio: ambos são wearable tech, tecnologia vestível, e buscam modificar uma ou mais características de quem os porta.
No caso da armadura, a mudança busca proteger o corpo do usuário contra pancadas, golpes de lâmina e perfurações. No caso do exoesqueleto, as possibilidades vão além. Ele pode proteger o corpo, aumentar a força física, recuperar e reabilitar movimentos ou amplificar os sentidos físicos do usuário. Ou seja: há semelhanças importantes, mas os exoesqueletos “navegam por mares mais distantes” – eles são mais sutis e complexos, e podem interagir profundamente com o corpo e o cérebro de seu portador.
Mas, afinal, por que “exoesqueleto”?
A palavra “exoesqueleto” é uma velha conhecida dos biólogos. Ela surge da soma entre o prefixo grego “exo”, que significa “fora” ou “externo”, e a palavra “esqueleto”, também de origem grega, que indica a estrutura óssea de sustentação nos indivíduos de muitas espécies. Neles, o esqueleto está situado “dentro”, e os órgãos e músculos se constroem, via de regra, “ao redor”, especialmente da coluna vertebral. Duas exceções são as costelas e o crânio, que se sobrepõem aos órgãos internos (pulmões e coração, cérebro), protegendo-os.

No caso do exoesqueleto, a estrutura de sustentação está fora e as partes moles estão dentro – e ficam especialmente protegidas. Isso faz com que os espécimes dotados dessa estrutura sejam naturalmente blindados. E quem são esses espécimes?
Se você pensou em formigas, besouros, baratas, aranhas, escorpiões, caranguejos, lagostas e siris, pensou certo! Os exoesqueletos são comuns entre os artrópodes, animais invertebrados que possuem um exoesqueleto rígido, corpo segmentado e apêndices – como pernas e antenas – articulados. Vale observar que esses “bichos” não são exceção. Eles formam o maior filo do reino animal, com mais de um milhão de espécies descritas – cerca de 80% de todos os animais conhecidos!
Fora isso, é importante observar – falando rapidamente – que esqueletos e exoesqueletos têm diferenças marcantes em relação à composição e à biologia: enquanto os ossos são estruturas vivas (com células e vasos sanguíneos), os exoesqueletos são formados por tecidos inertes (construído com substâncias como a queratina); enquanto os ossos crescem junto com o indivíduo até a idade adulta (e seus tecidos se renovam de forma permanente), os exoesqueletos são trocados de forma periódica, literalmente descartados (a chamada ecdise) para acompanhar o crescimento de seu portador.
Uma comparação interessante

Essa diferença entre ossos e carapaças, tecido vivo e tecido inerte, talvez possa ilustrar bem uma diferença essencial entre armaduras e exoesqueletos de alta tecnologia. Enquanto as armaduras são “inertes” – isto é, elas se restringem a proteger o corpo –, os exoesqueletos são “vivos”, ou seja, eles interagem com seu portador para aumentar capacidades e oferecer um suporte vital altamente diferenciado. Para isso, integram várias tecnologias – mecânica, eletrônica, de materiais e biomateriais, médica… – e alcançam resultados fantásticos. Que vamos conhecer daqui a pouco!
Antes de vestir o “exo”…

Exoesqueletos de alta tecnologia são instrumentos fascinantes. Mas, por que eles nos fascinam? E como, na verdade, ficamos sabendo a respeito deles, uma vez que – ao menos, até o momento – ainda não são produzidos em grande quantidade?
A resposta pode estar na cultura, mais exatamente nos quadrinhos e no cinema, com seus super-heróis, vilões, uniformes extraordinários e, é claro, super-poderes. Como, por exemplo, os garantidos pelas armaduras exoesqueléticas usadas por Tony Stark como “Homem de Ferro” ou pelo “P-5000 Powered Work Loader”, exoesqueleto de carga vestido pela personagem Ellen Ripley em “Aliens: o Resgate”, filme de 1986 (curiosidade: esse exoesqueleto foi inspirado em protótipos criados pela empresa GE nos anos 1960).
Ambas peças cumprem funções totalmente previstas pelos cientistas para a nova tecnologia. E, de quebra, ainda alimentam o sonho ancestral humano de ter poderes que os coloquem no topo da natureza (algo que se relaciona aos mitos e aos deuses). O resultado: sucesso no imaginário – e inspiração para a ciência!
Mas, quando surgiram os exoesqueletos modernos?
As armaduras, como já vimos, são “antepassados” dos exoesqueletos baseados em tecnologia. Olhando para a história desses equipamentos, porém, percebemos que eles estão muito mais próximos do que poderíamos imaginar. Eles podem não ter as mesmas funções, mas nasceram em contextos semelhantes: a guerra e a necessidade de aumentar o desempenho humano.

Isso porque os primeiros exoesqueletos, que surgiram há cerca de setenta anos, foram criados nos Estados Unidos para atender a uma necessidade das forças armadas – exatamente como acontecia por milênios com as armaduras, inventadas para proteger seus portadores, os guerreiros.
Pense, por exemplo, na necessidade que os militares têm de transportar grandes cargas, de munições a peças de reposição, ou de cavar trincheiras rapidamente. Esse era o objetivo do Hardiman, exoesqueleto motorizado de braços e pernas vestíveis desenvolvido pela General Electric (GE) em parceria com o Exército dos EUA (imagem ao lado). O nome Hardiman é o acrônimo de “Human Augmentation Research and Development Investigation” (HARDI) + “MANipulator” (MAN), expressão que pode ser traduzida como “Investigação para pesquisa e desenvolvimento do aumento da capacidade de manipulação humana”.
O criador do projeto, o engenheiro Ralph Mosher, buscou produzir um aparato capaz de multiplicar a força humana. A ideia era a de que, ao vesti-lo, a pessoa pudesse levantar facilmente cargas de 1500 libras (cerca de 680 kg), sem qualquer esforço muscular maior que o associado aos movimentos normais de braços e pernas.
O projeto era visualmente fascinante. Na época, porém, não havia tecnologia capaz de garantir sua estabilidade, por exemplo, por meio de sensores eletrônicos. A máquina era pesadíssima, dava trancos perigosos e apenas uma de suas partes, um braço mecânico colossal, funcionava, e ainda por cima de forma limitada. Resultado: não chegou a ser testada por seres humanos diretamente e acabou arquivada – mas, definitivamente, abriu uma porta para outras tentativas.
O ponto de virada
Os anos 1990 foram marcados pela chegada de tecnologias altamente impactantes. Foi o tempo de popularização dos computadores pessoais, de grandes avanços na microeletrônica, da chegada da internet às casas das pessoas, de novos materiais (como ligas especiais e cerâmicos) e de avanços na área de automação industrial. Um conjunto de soluções que, muito provavelmente, “daria conta” de todos os problemas percebidos no projeto Hardiman. Ele, porém, não voltou à cena.

Para o universo dos exoesqueletos, o período marcou um aporte tecnológico essencial: sensores digitais biométricos, giroscópios, estruturas mais leves e motores elétricos mais compactos e eficientes. Os aparatos “brutamontes”, enfim, saíam de cena para dar lugar a equipamentos elegantes e “cirúrgicos” em termos de desempenho. As possibilidades eram muitas! Foi nessa época que o foco das pesquisas foi dividido em três grandes áreas: militar, médica (de reabilitação) e industrial.
Chegamos, então, ao nosso tempo e aos “exos” que estão saindo dos laboratórios para dar suporte à vida real. Vamos conhecê-los!
Os exoesqueletos da nossa época
Hoje em dia, o “sonho de superpoderes” prometido pelos exoesqueletos está cada vez mais próximo. Esses aparatos ainda não chegaram ao cotidiano da maioria das pessoas, o que pode estar relacionado ao seu alto custo e, também, às suas finalidades muito específicas. Sem contar o fato de que, até o momento (a não ser, nos filmes e na literatura), eles não encontram finalidades estéticas ou recreativas.
Para os fins a que se destinam, porém, os novos “exos” – que contam com aportes tecnológicos recentes, como os da IA – se mostram transformadores. Como no caso da medicina de reabilitação, em que exoesqueletos de empresas como ReWalk e Ekso Bionics estão devolvendo a mobilidade a pessoas afetadas por lesões medulares.

Nesse campo, aliás, um brasileiro possui grande destaque: é Miguel Nicolelis (foto ao lado), médico e neurocientista brasileiro que lidera um time de pesquisadores na Universidade Duke, nos Estados Unidos. Em 2014, na abertura da Copa do Mundo do Brasil, ele apresentou um exoesqueleto cujos movimentos eram comandados diretamente pelo cérebro do usuário – no caso, Juliano Pinto, um paraplégico do tronco e dos membros inferiores que chutou uma bola.
No campo da indústria, exoesqueletos vêm sendo utilizados especialmente no suporte físico de operários, em plantas como as da Huyndai (Coreia) e Panasonic (Japão). Com os equipamentos – que, externamente, se assemelham em certa medida aos “exos” de reabilitação –, esses funcionários podem levantar cargas mais pesadas e se manter por mais tempo em posições que, normalmente, exigiriam um esforço físico muito maior.
Por fim, mas não menos importantes, são os exoesqueletos de aplicação militar, que, aos poucos, também começam a “dar as caras” nos quartéis. Não pense, porém (pelo menos, ainda), em equipamentos como o do Homem de Ferro, com capacidade de voo e armas integradas. Na verdade, eles se assemelham muito aos exoesqueletos de uso industrial. Sua meta é resolver um dos problemas mais antigos do universo militar: o da capacidade individual, de cada soldado, de transportar peso por longas distâncias sem se cansar. Nessa área, o principal projeto em andamento é o Human Universal Load Carrier (Transportador Humano Universal de Cargas), HULC, desenvolvido pela Lockheed Martin nos Estados Unidos.
E o que vem por aí…

É bem possível que, em algumas décadas, este artigo seja lido como uma curiosidade de um tempo antigo. Afinal, com os avanços tecnológicos que estamos vendo, é provável que os exoesqueletos acabem “mergulhando” em suas três áreas de desenvolvimento: teremos mais pessoas reabilitadas (e reabilitações mais sofisticadas), trabalhadores mais confortáveis em suas árduas missões e soldados marchando por mais tempo com mochilas super-pesadas.
É possível, também, que aplicações “exo” estejam disponíveis em trajes do cotidiano, funcionando como interfaces entre o corpo humano e outras máquinas. E, quem sabe, no espaço sideral, garantindo suporte à vida e força em ambientes hostis e de muita ou pouca ação gravitacional.
E isso só será possível graças a avanços em áreas que já apontamos, como a dos materiais, que deverão ser cada vez mais leves e flexíveis – muito mais “vestíveis”, enfim. E das neurociências, que devem garantir avanços acelerados na conexão entre o cérebro e as máquinas. Nesse caso, aliás, o tema chega quase a ser outro: saem os exoesqueletos, entram os biônicos! Essa, porém, é outra história…
Para ir mais longe…
Uma seleção de links interessantes sobre exoesqueletos e suas aplicações:
ReWalk Robotics – Fabricante de exoesqueletos para pessoas com lesões medulares.
🌐 https://rewalk.com/
Ekso Bionics – Desenvolve exoesqueletos para reabilitação e uso industrial.
🌐 https://eksobionics.com/
Miguel Nicolelis (Nicolelis Lab – Duke University) – Laboratório do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis.
🌐 https://www.nicolelislab.net/
Portal G1 – “Pesquisadores brasileiros avançam nos estudos sobre uso de exoesqueletos e IA na reabilitação física e neurológica”
Jornal da USP – Exoesqueleto robótico: desafio é diminuir custo e trazer maior portabilidade ao paciente
BBC Brasil – Pai cientista constrói exoesqueleto para filho com paralisia andar