Não é incomum que transtornos de leitura sejam confundidos com dislexia. Ambas as manifestações costumam ser utilizadas para os mesmos sintomas. No entanto, existem diferenças bem acentuadas que precisam ser compreendidas para solucionar o problema. Compreender as diferenças entre os diagnósticos é parte fundamental de intervenções eficazes na prática escolar.
Então, vamos entender mais a fundo as diferenças entre dislexia e outras manifestações de dificuldade de leitura?
O que é um transtorno de leitura?
Em primeiro lugar, não é preciso temer a palavra “transtorno” – em termos técnicos, ela designa uma gama muito grande de condições que afetam humor, raciocínio e comportamento. “Transtorno de leitura” é um termo “guarda-chuva” que engloba uma gama de distúrbios – inclusive, a dislexia – que afetam a capacidade de leitura de um indivíduo. Dentro desse espectro, é preciso ser específico e assertivo em relação à identificação, uma vez que ela guiará todo o tratamento e as práticas de leitura desenvolvidas na alfabetização da criança.
De acordo com a American Speech-Language-Hearing Association, além da dislexia, no espectro de distúrbios de leitura, estão inclusos também os seguintes transtornos:
- deficiência de leitura;
- transtorno de leitura;
- transtorno específico de leitura;
- déficit específico de compreensão de leitura.
Definição de distúrbio de leitura
De acordo com a Encyclopedia of Mental Disorders, um distúrbio de leitura “envolve uma deficiência significativa na precisão, velocidade ou compreensão da tecnologia leitura, na medida em que a deficiência interfere no desempenho acadêmico ou nas atividades da vida diária”.
Um indivíduo com transtorno de leitura terá algum grau de prejuízo nas suas habilidades de processamento fonológico, compreensão de leitura e/ou fluência de leitura, sendo que eles podem aparecer juntos ou separadamente. Além disso, nem sempre a origem da dificuldade específica de leitura reside em si mesma.
É comum, por exemplo, como veremos mais à frente na dislexia, que os prejuízos se manifestem não pelo estudante ter uma dificuldade específica em tal área, mas podem decorrer de outra dificuldade.
Tipos de dificuldades de leitura
Processamento fonológico
Pessoas com prejuízos nessa parte da leitura vão apresentar dificuldades em:
- detectar e criar palavras que rimam;
- realizar divisões silábicas;
- identificar os sons individuais no início ou no final das palavras;
- isolar, substituir ou excluir esses sons individuais dentro da palavra.
As habilidades que chamamos de processamento fonológico são conhecidas como os “blocos de construção” do sucesso na leitura. São áreas afetadas na dislexia.
Compreensão de leitura: já um indivíduo com dificuldade na compreensão da leitura vai se deparar com prejuízos quanto à compreensão do conteúdo escrito.
Fluência de leitura: a dificuldade no âmbito da fluência da leitura implica problemas com a precisão e a velocidade do indivíduo enquanto lê.
Como esses tipos de dificuldades de leitura podem se manifestar?
Dificuldade em qualquer uma dessas três habilidades pode ser classificada como um transtorno de leitura e se manifestar em conjunto ou isoladamente.
Um estudante pode, por exemplo, ser fluente na leitura, sem, porém, compreender o significado do texto, algo que seria para a fase escolar em que se encontra. Ou seja, ele lê, mas não “decifra” o significado.
O que é dislexia?
A dislexia está dentro do que chamamos anteriormente de distúrbio de leitura. Então, toda dislexia será um distúrbio/transtorno de leitura, mas nem todo transtorno de leitura será dislexia.
De acordo com o Decoding Dyslexia Healthcare Screening, “a dislexia é uma deficiência de aprendizagem específica que é de origem neurológica. Caracteriza-se por dificuldades com o reconhecimento preciso e/ou fluente de palavras e por habilidades de ortografia e decodificação deficientes.”
A dislexia está associada, principalmente, àquele distúrbio do processamento fonológico e da fluência de leitura – precisão e velocidade.
A maioria dos indivíduos com dislexia possui grande dificuldade para identificar os sons de uma determinada letra ou segmentar um grupo de letras, bem como associar tais sons com o código escrito – no caso, a palavra.
Em função disso, o estudante que possui dislexia acaba tendo a fluência da leitura comprometida. Mas a dificuldade em decodificar e identificar sons também costuma afetar a compreensão da leitura.
E aqui é muito importante ficarmos atentos à origem das dificuldades de leitura. Perceba que as habilidades relacionadas à fluência e, principalmente, à compreensão, não são dificuldades primárias, mas questões que decorrem naturalmente da dificuldade neurológica desse indivíduo em decodificar palavras, identificar sons e/ou associar os sons às palavras de forma adequada.
É importante notar essas nuances entre os tipos de dificuldades de leitura e escrita, pois a intervenção em um estudante que tem dificuldade na fluência de leitura não é a mesma que deve ser feita naquele indivíduo que tem prejuízos nessa mesma fluência, mas que é uma questão originada na decodificação e não na fluência em si.
Então, os educadores não podem deixar de compreender a sutil diferença entre a dificuldade de ler palavras e parágrafos fluentemente, soletrar palavras e usar palavras por escrito que ocorre por conta apenas de um problema de fluência e compreensão e a dificuldade decorrente de uma questão neurológica.
Veja, se um estudante tem a fluência – precisão e velocidade – abaixo da média esperada, mas tem boa compreensão do conteúdo escrito, é possível que seu caso esteja associado à dislexia, se esse indivíduo apresentar ainda muitos prejuízos em:
- rimar;
- pronunciar palavras com várias sílabas;
- conectar sons a letras;
- reconhecer palavras que começam com o mesmo som;
- bater palmas no ritmo de uma batida;
- aprender a escrever;
- identificar sons diferentes em palavras;
- ter dificuldade em aprender os sons das letras;
- inserir letras extras, excluir letras ou usar a ordem das letras ao soletrar.
Perceba: as dificuldades de leitura na dislexia sempre estão associadas a uma série de questões neurológicas de decodificar palavras e identificar sons.
Em resumo, quando usamos o termo dificuldades de leitura, transtorno de leitura ou distúrbios de leitura, estamos usando um termo genérico para uma educação com deficiência de aprendizagem específica que pode afetar:
- áreas de processamento fonológico;
- compreensão de leitura;
- fluência de leitura.
A dislexia é um termo especializado para um tipo específico de deficiência de quem tem uma leitura caracterizada por dificuldades com processamento fonológico e fluência de leitura e dessas podem surgir outras dificuldades. Mas a origem do transtorno deve ser identificada com precisão para que as práticas pedagógicas sejam escolhidas com precisão.
A importância de um diagnóstico correto
As práticas pedagógicas devem ser aplicadas adequadamente em qualquer caso de dificuldade de leitura. Ocorre que, no caso da dislexia, essas intervenções precisam ser mais profundas.
Devido à sua origem neurológica, existem diversos softwares de leitura, práticas de alfabetização e, até mesmo, métodos de ensino e avaliação focados nesse modo de funcionamento cerebral.
Dislexia pede intervenções mais estruturais no processo de alfabetização
Sim, o estudante com dislexia possui uma estrutura cerebral que “funciona” diferentemente da estrutura cerebral dos estudantes que não sofrem com o transtorno. Inclusive, vale aqui explorar outras habilidades desses indivíduos. É sabido, por exemplo, que crianças com dislexia possuem excelentes habilidades de comunicação.
Tanto que muitos professores acabam substituindo a avaliação tradicional escrita pela avaliação oral.
Viu como identificar a origem da dificuldade de leitura é importante?
Se a dislexia não fosse diagnosticada nesse exemplo mencionado, o estudante poderia facilmente ser reprovado em razão de o professor pensar que o aprendizado não foi bem-sucedido. O que não é verdade nesse caso. O indivíduo aprendeu, sim, mas tem dificuldade em colocar em palavras.
Recursos tecnológicos em que o estudante lê enquanto ouve também são boas soluções nesse caso. O que talvez não seria necessário quando estamos falando especificamente de uma dificuldade de compreensão de leitura.
Intervenções em outros distúrbios de leitura podem ter cunho unicamente pedagógico
No caso de outros transtornos de leitura, o educador pode optar por conversar com a criança sobre o livro antes de ela iniciar a leitura de fato. Adotar livros com imagens – a fim de melhorar a contextualização – e debater os temas abordados na história logo após a conclusão da leitura já podem ser suficientes aqui.
Por fim, vale ressaltar que também é crucial que sejam analisadas as práticas de alfabetização executadas. Alterar elementos envolvidos nos métodos de ensino, utilizar recursos tecnológicos e metodologias ativas também podem contribuir muito em todos os casos de distúrbios de leitura, sejam eles dislexia ou outro transtorno.
É essencial ao educador e à família respeitar o ritmo de cada indivíduo: isso é a base para qualquer prática pedagógica e metodologia de ensino.
Por fim, é importante ter em mente que algumas crianças só precisam de mais tempo e prática do que outras para desenvolver plenamente suas habilidades de leitura. Entender o ritmo dos estudantes, quando a dificuldade de leitura não está associada à dislexia, também é necessário para ajudá-los.
Então, quando você, educador, identificar que o distúrbio de leitura não tem origem neurológica, considere também que nem todas as crianças se desenvolvem no mesmo ritmo.