Futuro Presente: o mistério das “invenções independentes”

Nesta edição de #FuturoPresente, vamos conhecer um fenômeno que fascina e desafia os cientistas há muito tempo: a chamada “invenção independente” ou “descoberta múltipla”. Você imagina o que seja isso? Se nunca ouviu falar, comece a ler este texto: você vai se surpreender!

Vamos viajar no tempo e na tecnologia

Para e, por um instante, imagine a situação. Estamos na China, no século XI. Lá, depois de examinar folhas de papel e estudar longamente as técnicas de impressão de gravura, um jovem inventor chamado Bi Sheng desenvolve a impressão com uso de tipos móveis. Uma revolução na comunicação! Corte de cena: agora, avançamos 400 anos e viajamos para o oeste, para a cidade alemã de Mainz. Ali, depois de muito trabalhar com mecanismos de relógio e artes gráficas, outro inventor, chamado Johannes Gutenberg, cria… a impressão com uso de tipos móveis. Outra revolução comunicacional!

Bi Sheng e Johannes Gutenberg, os inventores da impressão com tipos móveis. Fontes: Baidu e Wikipedia.

🚀 Como assim?! Dois inventores da mesma coisa?

Isso mesmo! E o pior: os dois com a mesma titularidade sobre a invenção! O caso de Bi Sheng e Johannes Gutenberg ilustra perfeitamente o tema deste artigo, a invenção independente ou descoberta múltipla (em inglês, “multiple discovery” ou “simultaneous invention”).

Algo que, esclarecemos neste momento inicial, é totalmente diferente de uma única invenção replicada ao longo do tempo (difusão cultural) ou, então, da cópia descarada e da atribuição de autoria, a alguém, de uma invenção que já existia (plágio).

Exemplos de impressões de Bi Sheng e de Gutenberg. Fonte: Wikipedia e Europeana.

🧠 Um negócio fantástico

Como você já deve ter imaginado, as expressões “invenção independente” e “descoberta múltipla” identificam um fenômeno raro, porém altamente impactante: o nascimento de uma mesma tecnologia, feita para solucionar o mesmo problema, em duas culturas distantes entre si no espaço e no tempo. Os inventores, no caso, sequer imaginam a existência de sua “contraparte criadora”, e agem na mais absoluta boa fé. Com seus próprios esforços, usando os próprios métodos, atacam o problema, constroem caminhos e… chegam à mesma solução!

➡️⬅️ Tecnologias que convergem

As tecnologias de Bi Sheng e Gutenberg, evidentemente, tinham suas próprias características: o inventor chinês usava tipos construídos em porcelana, enquanto o alemão apelava a uma liga de metais “moles” (dúcteis, como estanho, chumbo e antimônio) para construí-los; além disto, eles usavam tintas diferentes, e o papel chinês provavelmente era mais sofisticado que o de Gutemberg.

Acontece, porém, que ambos os inventores possuíam o mesmo objetivo, que era o de produzir páginas impressas sem a necessidade de criar as matrizes de impressão página a página, mas apenas compondo ideogramas ou letras – o que tornaria o trabalho muito mais rápido e econômico.

Um objetivo nascido de uma necessidade comum, naquele momento, às culturas de origem – a China da Dinastia Song e a Europa da Reforma Protestante: livros! “À mancheia”, como diria Castro Alves, em maior número e mais baratos, para difundir conhecimentos.

🛞 Vários exemplos

“Ah, mas isso só aconteceu uma vez”, você pode estar pensando. O caso da impressão com tipos móveis é, de fato, emblemático – ela pertence àquela lista de invenções que mudam os rumos da civilização, como a roda, a escrita, as tecnologias nucleares e a internet –, mas nem de longe é único. Ao longo da história são muitos os casos e é bem possível que o fenômeno esteja acontecendo neste exato momento, enquanto você lê este artigo. Em nossa época, evidentemente, a possibilidade é muito menor por conta do alto grau de conexão entre as pessoas. Mas, ainda assim, ela existe.

Quer outro exemplo muito poderoso? A escrita, que ao longo de algumas centenas de anos surgiu de forma independente e se difundiu a partir de diferentes regiões – Mesopotâmia, Egito, China e México.

Mais um exemplo “das antigas”? As pirâmides, que despontaram em vários lugares do mundo, do Egito ao México, passando pela China. E o que dizer da roda, então? Vixi!

Escrita cuneiforme, da Mesopotâmia, e hieroglífica, do Egito. Fonte: Europeana.

⚔️ Uma batalha (não percebida) entre criadores

A distância cronológica e geográfica entre Bi Sheng e Gutemberg fez com que eles não se conhecessem e nem aos respectivos inventos, o que afasta qualquer possibilidade de disputa, a não ser, talvez, entre seus compatriotas mais nacionalistas em nossa época. Há, porém, casos de invenção independente/ descoberta múltipla em que os inventores poderiam ter se conhecido… e até se conheciam!

O caso clássico, nesse contexto, é o dos filósofos Issac Newton (1643-1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), que desenvolveram – cada um, com seus próprios cérebros, penas, tinteiros e cadernos – o cálculo diferencial e integral, que contribuiu de forma extraordinária para a evolução humana em áreas que vão da música à eletrônica, da climatologia ao GPS.

Newton e Leibnitz, criadores do cálculo diferencial e integral – eles se conheciam e viviam na mesma época. Fonte: Wikipedia.

Esse, caso, vale observar, gerou polêmica entre os historiadores da ciência por muito tempo – afinal, será que um não sabia, mesmo, sobre as ideias do outro? Na verdade, o próprio Newton acusou seu colega alemão de plágio (em 1716), mas investigações posteriores, pautadas na leitura cuidadosa dos documentos e da correspondência trocada entre eles, mostraram que ambos desenvolveram o cálculo de forma independente. Newton teve a ideia primeiro, mas a manteve em segredo, tornando-a pública apenas depois de Leibniz publicar seu próprio trabalho a respeito.

🔬🔬 Casos recentes

E para mostrar que casos semelhantes não se limitam a tempos em que a comunicação científica é muito ruim – e em que, por conta disto, os pensadores “dão conta do recado” sozinhos –, é possível citar algumas descobertas mais recentes que entram na categoria de invenção independente/descoberta múltipla.

Vamos ficar em duas delas: 1) – a técnica de Edição Genética CRISPR-Cas9, adotada para o tratamento de doenças e até para a “desextinção” de espécies (que vimos em um artigo anterior), desenvolvida simultaneamente pelos cientistas Jennifer Doudna & Emmanuelle Charpentier (EUA/França) e Feng Zhang (EUA/China); e 2) – as Redes Neurais Artificiais, utilizadas em IA, desenvolvidas simultaneamente por Geoffrey Hinton (Reino Unido/Canadá), Yann LeCun (França/EUA) e Yoshua Bengio (Canadá).

Nesses e em outros casos recentes, é possível pensar em razões para o fenômeno. A primeira delas é uma base compartilhada de conhecimentos e uma demanda bem específica. E a segunda é o desejo de exclusividade em relação ao conhecimento ou tecnologia, que faz com que – sonhando com Nobel e com milhões de dólares do mercado – os cientistas trabalhem “na moita” e tentem chegar primeiro ao objetivo.

🎯 Mas, o que explica o fenômeno?

Essa é uma pergunta fantástica. É possível pensar em vários fatores que contribuem para que, vez por outra, uma mesma invenção genial “pipoque” aqui e/ou acolá.

O primeiro deles é bem conhecido e atende pelo nome de “ser humano”. Ou seja, pessoas dotadas de cérebros e de um sistema cognitivo avançado tendem a “brincar com os mesmos brinquedos” – ou seja, buscar soluções usando o raciocínio comum à espécie.

Um dos motivos para o nascimento de ideias iguais em contextos distintos seria o próprio cérebro humano – um sistema cognitivo que capta a realidade e suas questões a partir de padrões similares. Fonte: Getty Images.

O segundo fator é a necessidade. Problemas universais – como a necessidade da escrita – geram respostas que podem ser diferentes, mas que têm uma mesma finalidade.

Um terceiro fator é o da chamada pressão evolutiva: na medida em que as civilizações foram se desenvolvendo, acabaram sujeitas a novos desafios que, muitas vezes, eram semelhantes (como o de armazenar ou transportar safras, por exemplo).

Um quarto fator é o conhecimento prévio compartilhado por mais de uma civilização, o que pode fazer com que os criativos busquem inovar em espectros de ação semelhantes. Por exemplo: não haveria impressão com tipos móveis se não houvesse papel, tecnologia chinesa compartilhada com os europeus da época de Gutenberg.

Um quinto fator, por estranho que possa parecer, reside no isolamento civilizacional: em alguns casos, uma descoberta nasce de uma necessidade somada à falta de conhecimento sobre a mesma descoberta feita por outra pessoa ou cultura.

Por fim – esta lista, vale observar, não é definitiva – está o que em alemão se chama “Zeitgeist”, o famoso “Espírito do Tempo”. Certas eras da humanidade – como o Renascimento, a Revolução Industrial ou a Dinastia Shang, na China – expandiram certos campos do conhecimento, o que, por sua vez, levou pensadores e cientistas a “ciscarem” em áreas semelhantes, podendo obter resultados semelhantes.

🌍 Conclusão: e por falar em “Zeitgeist”…

Ou melhor, no “espírito do tempo” e na ênfase ao estudo, construção conjunta e compartilhamento de conhecimentos, ela combina muito bem com a escola e com a educação. E, no caso mais específico das invenções independentes, combina até mesmo com algumas metodologias educacionais recentes, como a da pedagogia por projetos.

Explicamos: nesse caso, os estudantes recebem o mesmo problema e são levados a desenvolver caminhos independentes para a sua solução. Neles, explicitam seus conhecimentos e, na comparação com os outros projetos, também, as vantagens e deficiências de sua própria estratégia. Então: que tal propor um desafio assim em sua sala de aula e observar se soluções paralelas emergem? Pense nisso!

Do “bilete” ao Peixe de Abril: história e significados do Dia da Mentira

O famoso “bilete” do menino Gabriel Lucca, que acabou virando meme. Fonte: Wikipedia.

“É verdade esse bilete [sic]”. Muitos brasileiros conhecem e até utilizam essa frase de vez em quando. Ela foi criada pelo menino Gabriel Lucca, que, aos cinco anos, em 2018, tentou enganar a mãe escrevendo um bilhete em que se passava pela própria professora. A mensagem dizia o seguinte – “Senhores Paes [sic]: amanhã não vai ter aula porque pode ser feriado. Assinado: Tia Paulinha” –, sendo complementada com a frase que abre este parágrafo. A história, que aconteceu na cidade paulista de Bocaina, acabou se transformando em um meme de enorme repercussão para indicar, de forma engraçada, situações em que a mentira contada é tão evidente – ou tão inocente –, que acaba despertando o riso ou a ironia.

Uma mentirinha assim, ao mesmo tempo tão engenhosa e ingênua – tão simpática, na verdade – não deixa de ser um símbolo de algo muito presente em todas as sociedades do mundo. A mentira!

Nem todas as mentiras, evidentemente, são tão inofensivas ou engraçadas quanto a contada por Gabriel. Muitas são perigosas e têm consequências sérias – como, por exemplo, as Fake News, que devem ser combatidas com conhecimento e educação midiática; outras, ainda, destroem a reputação de quem é o objeto da história falsa; e há, também, aquelas associadas ao bullying. Um caso sério!

O Dia da Mentira

A relação é tão profunda que uma parte do mundo chegou até mesmo a criar e cultivar um dia dedicado à mentira, o 1º de abril. Vale observar que não é um dia de mentiras maldosas ou perigosas, mas, sim, de brincadeiras com amigos (sem maldade ou humilhação), algo que traz um pouco da ideia de inversão que inspira o carnaval.

Mas, você sabe como começou essa história? É o que vamos descobrir. E pode confiar “que é verdade este bilhete”!

Mudou o Calendário… mentira!

O dia é da Mentira, mas, em algumas regiões do mundo, também é chamado de Dia dos Tolos, dos Bobos ou dos Enganos, e, também, de “Peixe de Abril” (na Itália e na França – em breve, vamos descobrir por quê). E, ao contrário do que poderíamos pensar vivendo em um mundo repleto de memes, truques e tentativas de engano, ele não é recente. Não, mesmo! Quem estuda o tema afirma que a tradição de um “Dia da Mentira” tem mais de 500 anos – ou seja, é quase tão antiga quanto o Brasil!

“Buon Pesce D’Aprile!” (“Feliz Peixe de Abril!”). O Dia da Mentira é uma tradição que nasceu na Europa do século XVI. Fonte: Getty Images.

Mas, como começou?

A culpa seria da Igreja, de um calendário e de um rei francês. E de um bando de gente que começou a ridicularizar e a pregar peças em seus semelhantes!

Gregório XIII, o “pai do novo calendário”. Fonte: Wikipedia.

Vamos explicar: entre 1545 e 1563, a Igreja Católica realizou o Concílio de Trento, na Itália, em que discutiu várias medidas relacionadas à religião. Uma delas foi a substituição do calendário juliano (criado em Roma no século I) pelo calendário gregoriano, mais preciso, que corrigia uma distorção temporal crescente que influenciava o calendário litúrgico, ou seja, das celebrações da Igreja. A substituição foi feita alguns anos mais tarde, em 1582, pelo papa Gregório XIII (que também deu nome ao calendário). Vale observar que, no chamado Cristianismo Ortodoxo, adotado em países como a Rússia, a Ucrânia e a Armênia, ainda se utiliza o calendário juliano, com ou sem ajustes. 

E cumpra-se!

Como, na época, as decisões da Igreja tinham enorme poder sobre as sociedades, os reis começaram a aplicar a regra. Uma das mudanças do novo calendário estabelecia o início do ano no dia 1º de janeiro. Até então, a data de início do ano, no calendário juliano, variava de região para região – algumas partes da Europa o celebravam no dia 1º de março, outras no dia 25 do mesmo mês; com as distorções do próprio calendário juliano, esta última data chegava perto do 1º de abril.

Na França, o ajuste foi decretado pelo rei Henrique III no finalzinho de 1582. Resultado: uma parte da população aderiu à novidade e a outra se recusou a celebrar o Réveillon na data nova, preferindo manter… o 1º de abril!

Rapidinho, os resistentes, uma minoria, passaram a ser ridicularizados pelos demais. E acabavam até convidados para festas de ano novo – em 1º de abril, é claro – que, na verdade, eram uma grande enganação, com pregação de peças, brincadeiras e outras “esculhambações”. Pronto: nascia o Dia da Mentira!  

Uma piada bem arriscada

A bagunça virou tradição e ganhou todo o mundo ocidental, inclusive o Brasil colonial.

Foi apenas no início do Brasil Império – mais exatamente, em 1828 –, porém, que a data ganhou uma “certidão de nascimento” em terras tupiniquins. Naquele ano, no dia 1º de abril, a primeira edição do jornal satírico mineiro “A Mentira” (olhe só o título…) trazia como manchete, nada mais, nada menos, do que a morte de Dom Pedro I!

Foi, evidentemente, uma sensação, até porque ninguém sabia bem qual era a “cara”, a linha editorial do jornal. Muita gente acreditou, muita gente riu e muita gente ficou furiosa!

Brincadeiras e jornais

No Dia da Mentira de 1980, a rede britânica BBC anunciou que o Big Ben seria “atualizado” para um formato digital. Fonte: Wikipedia.

Não se sabe exatamente se a brincadeira trouxe consequências para os editores do jornal – na época, D. Pedro se via às voltas com questões muito sérias como a independência da antiga província Cisplatina (atual Uruguai) –, mas o fato é que, a partir de então, a data acabou consagrada para a pregação de peças.

No próprio campo jornalístico, por exemplo, brincadeiras do tipo (com envio de notícias falsas para as redações) eram muito comuns até recentemente. E levaram os jornais a reforçar seus mecanismos de checagem de informações! Em alguns países – como o Reino Unido -, os jornais pregavam peças com notícias falsas em 1º de abril.

E como os países celebram o Dia da Mentira hoje?

Em um mundo ultraconectado e altamente interconectado, é possível afirmar que o Dia da Mentira segue mais ou menos um mesmo roteiro, com algumas diferenças regionais. E é possível, inclusive, que esteja perdendo força. Assim como ocorria (e ocorre) no Brasil, em países como os Estados Unidos e o Reino Unido as redações de jornal são alvo preferencial dos brincalhões de 1º de abril, que enviam notícias absurdas, releases de brincadeira e outras “pegadinhas”, algumas vezes bem elaboradas.

A ideia é enganar os editores e fazer com que eles publiquem as notícias como verdadeiras. Com o fortalecimento da verificação de fatos (fact checking) e a migração dos jornais para o mundo digital (que permite correções rápidas em caso de engano), porém, a tendência é de que o sucesso dessas “publicações desastradas” seja cada vez menor. Até mesmo porque, em um mundo assolado por Fake News e desinformação, elas já não têm tanta graça!

“Fact” (fato) ou “Fake” (falso): uma das grandes questões da mídia e da sociedade no século XXI. Fonte: Getty Images.

E o “Peixe de Abril”?

Alguns parágrafos acima, falamos que, na Itália e na França, o Dia da Mentira também é chamado de “Peixe de Abril”. E esse nome só existe porque, nesses países, é tradição colar um peixe de papel nas costas das “vítimas” da festa sem que elas se deem conta. Nada, aliás, que desconheçamos: brincadeiras do tipo, especialmente com bilhetes pregados nas costas, já foram (e ainda são) relativamente comuns entre nós.

Mas elas também perderam força, em especial por conta de uma maior consciência coletiva a respeito da humilhação e do bullying – um problema gravíssimo, em especial nas escolas, que causa sofrimento e deve ser combatido.

Conclusão: o Dia da Mentira tem história… e é bom conhecê-la!

Ao conhecer um pouco mais sobre a origem do Dia da Mentira, descobrimos coisas que abrem possibilidades de reflexão. Como, por exemplo, os fatores relacionados à construção das tradições. Como surgem as datas festivas, em especial as populares? Quem diria, por exemplo, que uma mudança no calendário – com pessoas contra e a favor – acabaria gerando uma festa popular?

Vimos, também, o papel que a Igreja Católica desempenhou na vida das sociedades europeias por séculos. Um decreto papal, validado por vários reis, mudou a data de início do ano!

Por fim, pudemos perceber a resposta das sociedades a mudanças importantes em seu dia a dia. No caso do Dia da Mentira, de contestação, assimilação e construção de significado – uma festa que sobrevive quase 500 anos depois de uma mudança decretada por um papa!

Por fim – e o mais importante -, o Dia da Mentira também pode ser uma oportunidade de reflexão e ação em relação a temas fundamentais da nossa época: as Fake News, a educação midiática, a checagem de fatos e, especialmente, o respeito às pessoas e à dignidade humana. Refletir conhecendo, pesquisando e dialogando. E agir combatendo o bullying com inteligência, seriedade, conhecimento e empatia.

#FuturoPresente – Desextinção de espécies: uma conquista… ou um perigo?

Em 1916, Charles Knight pintou o que seria uma manada de mamutes-lanosos. Cientistas querem transformar essa representação em realidade por meio da desextinção. Fonte: Wikipedia.

Você já ouviu falar em “desextinção”? A palavra ainda não chegou ao dicionário, mas já faz parte das conversas e estudos de um grupo de cientistas ligados à área biológica. E, nos próximos anos, ela pode fazer parte da realidade – com consequências que ainda estão sendo avaliadas. Vamos explorar mais o assunto? Siga conosco!

Desextinção

Como o próprio nome indica, a palavra desextinção se refere ao processo artificial de produzir organismos que se assemelham a espécies extintas naturalmente ou pela ação humana, por meio de técnicas como clonagem, edição genética (CRISPR) ou seleção genética.  

De dinossauros a mamutes, de aves como o pássaro dodô a mamíferos como o tigre dente-de-sabre, todas essas espécies, EM TESE, poderiam ser “revividas” e até mesmo reintroduzidas na natureza. E essa possibilidade só passou a ser considerada porque, nas últimas décadas, houve avanços muito importantes nas áreas da genética, da paleontologia e das biotecnologias. Mas, será que é uma boa ideia?

O Velociraptor e o sonho da desextinção

Fonte: Wikipedia.

Em 1993, pessoas em todo o mundo passaram a conhecer um novo tipo de dinossauro, que, de certa forma, substituiu o Tiranossauro Rex (Tyrannosaurus rex) no imaginário dos monstros do passado: o Velociraptor (Velociraptor antirrhopus), fera do período Cretáceo que literalmente “apavorou” as plateias do filme “Jurassic Park”, dirigido por Steven Spielberg (pôster ao lado).

Muito mais do que apresentar um novo dinossauro (e outros mais), porém, o filme fez chegar ao grande público uma ideia que já rondava os cérebros de um grupo de cientistas: ressuscitar espécies extintas usando elementos biológicos e alta tecnologia.

A película, é claro, exagerava bastante as possibilidades e as conquistas científicas (a clonagem de dinossauros ainda é praticamente impossível por motivos que veremos à frente), mas, em certa medida, deixou antever um futuro razoavelmente possível. Com a melhoria das técnicas, novas tecnologias e até com mudanças legais, é válido pensar que, em algumas décadas, teremos, de fato, animais e até mesmo espécies inteiras “renascidas”. Para algumas delas, as possibilidades são maiores; para outras, menores. Vamos saber mais.

Quando tudo começou

Falar sobre as possibilidades de desextinção de espécies só é possível graças à descoberta da chamada estrutura de dupla hélice do DNA, em 1953 pelos cientistas Francis Crick (Inglaterra) e James Watson (Estados Unidos). Eles, aliás, receberam o Prêmio Nobel de 1962, em Medicina e Fisiologia, graças a este estudo – um reconhecimento 100% merecido! Outra cientista essencial nessa descoberta foi a química inglesa Rosalind Elsie Franklin, cujos estudos sobre estruturas moleculares ajudaram muito na compreensão da “molécula da vida”.

Rosalind Franklin, Francis Crick e James Watson: os “pais da matéria” no campo dos estudos genéticos. Fonte: Wikipedia.

Conhecer o DNA ou ácido desoxirribonucleico – molécula que contém as informações genéticas de todos os seres vivos e é responsável por determinar as características individuais de cada espécie – abriu um campo de pesquisas gigantesco, das doenças genéticas e sua cura à criminologia. Hoje, graças à genética, as pessoas podem conhecer suas origens mais remotas e também algumas doenças de que poderão vir a sofrer no futuro. As aplicações desse novo campo da ciência, porém, vão muito mais longe!

O “segredo” da desextinção reside na manipulação genética com técnicas de “editam”, “costuram” ou “somam” genes ao DNA. Fonte: Getty Images.

Trabalhando com o DNA

Depois de conhecer o DNA – e o DNA da nossa própria espécie, que foi inteiramente sequenciado no ano de 2003, pelo Projeto Genoma Humano –, os cientistas passaram a buscar formas de chegar até ele para corrigir eventuais configurações responsáveis pelas doenças genéticas. Entre essas doenças estão a anemia falciforme, a fibrose cística, a fenilcetonúria e a hemofilia tipo A, que afetam milhões de pessoas em todo o mundo.

Nesse processo surgiram as duas principais técnicas utilizadas atualmente: a terapia genética e a edição de genes.

Representação artística da edição genômica. Fonte: Programa de Educação Genômica, Departamento de Saúde do Reino Unido.

Em termos simples, a terapia genética envolve a inserção de genes funcionais em um organismo para substituir ou complementar genes defeituosos – isto pode ser feito por meio de vírus modificados, que funcionam como vetores para “entregar” o DNA.

E a edição de genes envolve a modificação direta do DNA existente, que é seccionado e tem sequências específicas corrigidas. O chamado CRISPR-Cas9 é a técnica mais conhecida e precisa.

Embora essas técnicas sejam amplamente utilizadas na medicina, elas também estão sendo estudadas como ferramentas para um objetivo ainda mais ousado: trazer de volta espécies extintas.

Desafio de Costura”

“Operar” genes adicionando peças ao quebra-cabeça ou editando sequências não é uma tarefa fácil, simples ou barata. No caso dos projetos de desextinção, há, ainda, um complicador: o fato de que, com o passar do tempo, as estruturas genéticas – o DNA – também se alteram e decaem.

Em termos figurativos, seria algo como recortar ou remendar uma peça de tecido. Se ela está inteira e forte, é possível costurar sem grandes problemas; se, porém, está fragilizada – rasgada ou apodrecida –, é muito mais difícil! Como incorporar remendos, por exemplo? Como costurar um tecido que está se quase desmanchando?

Agora, imagine um “tecido” – uma sequência de DNA – que tenha 80 milhões de anos (como a de um velociraptor) ou “apenas” seis mil anos (como a de um mamute-lanoso). Ambos um dia estiveram intactos, mas, ao longo do tempo, sofreram um lento e contínuo processo de degradação que envolve fatores ambientais. Será que, com as tecnologias e as metodologias disponíveis atualmente, é possível “costurá-las” para recuperar o “tecido” original – o ser vivo extinto? Essa é a grande questão que intriga os cientistas da desextinção até hoje!

Projetos em andamento

Como vimos, a integridade do DNA – do “tecido da vida” a que nos referimos – é fundamental para o eventual sucesso dos projetos de desextinção. O que implica afirmar que, quanto mais antiga a amostra, ou quanto menos disponível ela estiver, mais difícil será ter sucesso no processo. O que, pensando nos dinossauros ferozes de “Jurassic Park”, talvez seja uma boa notícia…

Observado esse ponto, chegamos aos projetos que estão em andamento. Vamos focar em um deles que é emblemático porque se liga tanto à pré-história quanto ao papel humano na extinção.

Antes, porém…

Vamos responder a uma pergunta-central: algum animal já foi desextinto? Sim. Em 2003, utilizando técnicas semelhantes às usadas para a clonagem da ovelha Dolly, cientistas espanhóis e franceses conseguiram reproduzir um íbex-dos-pirineus ou bucardo (Capra pyrenaica pyrenaica), espécie extinta havia muito pouco tempo. Em virtude de problemas pulmonares, porém, o filhote sobreviveu por apenas algumas horas.

Íbex-dos-pirineus, primeiro animal a ser desextinto. O sucesso do projeto, porém, foi relativo. Fonte: Wikipedia.

A volta do mamute-lanoso

Voltemos ao projeto em andamento: ele é desenvolvido por cientistas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e quer reviver o mamute-lanoso (Mammuthus primigenius), extinto há cerca de 4 mil anos pela ação dos nossos antepassados.

A técnica utilizada, nesse caso, se baseia na edição genética de células do elefante asiático, que é muito semelhante aos ancestrais peludos. Na medida em que existem muitos restos de mamutes-lanosos – descobertos na tundra, inclusive em virtude do aquecimento global –, as chances de se encontrar de DNA preservado são grandes. Esse DNA, ao ser sequenciado, oferecerá um “mapa” para a edição genética do DNA dos elefantes asiáticos.

“Rato-lanoso”, criado em laboratório pela manipulação de genes para torná-lo semelhante, em pelagem, aos mamutes-lanosos. Fonte: Wikipedia/Nature.

A pesquisa está caminhando bem. O maior desafio está na produção de um útero artificial que possa receber os embriões da “nova-velha” espécie.

Mas, por que clonar o mamute-lanoso? Os cientistas apontam dois motivos: 1) – ao ser reintroduzidos na natureza, os animais poderiam ajudar a proteger um bioma, a tundra, muito fragilizado atualmente; e 2) – a pesquisa também ajuda a fornecer dados sobre o elefante asiático, espécie que intriga os cientistas por apresentar uma baixíssima incidência de câncer – ao conhecer os fatores por trás desta resistência, seria possível descobrir caminhos para prevenir e tratar o câncer entre os seres humanos.

Possibilidades e desafios éticos

Não há dúvida de que a desextinção é um tema científico fascinante. Ao mesmo tempo, porém, ele gera dúvidas, apreensões e questões éticas. Isso porque, em certa medida, a possibilidade de fazer espécies voltarem à vida coloca a nossa própria espécie na condição de criadora, de “divindade”, algo que foi explorado magistralmente em obras literárias como “Frankenstein”, de Mary Sheeley, e “A Ilha do Dr. Moreau”, de H. G. Wells. Uma condição de enorme poder – e enorme responsabilidade também!

Cuidando do mundo que existe

Se, por um lado, o sucesso em processos de desextinção pode levar ao repovoamento de biomas onde as espécies foram extintas pela ação humana, mais recentemente – o que é positivo, inclusive pela recomposição das cadeias que formam a “teia da vida” nestes ambientes –, por outro ele pode levar, também, a um desleixo da nossa espécie em relação às espécies existentes. Se elas podem ser recriadas a qualquer momento, por que se preocupar em mantê-las?

O mundo possui milhões de espécies, muitas das quais em risco de extinção pela ação humana. Fonte: Getty Images.

É preciso considerar, também, os custos envolvidos nos processos de desextinção, que se mostram muito altos nos projetos em andamento atualmente. Não seria mais inteligente utilizar esses recursos para preservar e promover espécies em risco de extinção pela ação humana?

E as extinções naturais?

É preciso pensar, ainda, no fato de que a extinção de espécies também é um processo natural, estabelecido ao longo de milhões de anos sem a interferência humana. Em outras palavras: o ser humano é um agente importante de extinção, mas não é o único. Apenas para se ter uma ideia, os cientistas estimam que, das 4 bilhões de espécies que passaram pelo nosso planeta ao longo dos últimos 500 milhões de anos, 99% (3,96 bilhões) foram naturalmente extintas!

Fóssil de um arqueoptérix (Archaeopteryx lithographica), dinossauro voador que viveu há 150 milhões de anos. Fonte: Getty Images.

Na medida em que esse processo também implica modificações nos biomas e nas próprias relações entre espécies, pode ser muito arriscado reintroduzir espécies desaparecidas, em especial as que viviam em outras eras geológicas. O melhor aviso a esse respeito, vindo do campo da arte, é dado pelos dinossauros de “Jurassic Park”, que fogem ao controle de seus criadores e geram um caos total. Bem observado!

Responsabilidade pelas espécies

Por fim, mas não menos importante, é a percepção da nossa responsabilidade. Na medida em que a espécie humana consiga ressuscitar espécies, ela se tornará automaticamente responsável por elas, por sua presença no mundo e por seu bem-estar. Criar espécies por mero desejo de conhecimento, por exemplo, seria um erro extraordinário.

Conclusão: desextinção, sim ou não?

Ao olhar para as ideias e para os projetos que focam no “renascimento” de espécies, podemos pensar em um tema que é muito importante para a educação: o letramento, que é a capacidade de “ler o mundo”, criticamente, a partir de um conhecimento prévio – da alfabetização. O domínio das técnicas de modificação genética, como vimos, é cada vez maior e pode levar a grandes conquistas, das desextinção de espécies à cura de muitas doenças. Isso, aliás, já está acontecendo. Com um grande conhecimento, porém, nasce um grande poder – e uma responsabilidade equivalente! E é aí que entram em cena o letramento, a ética e uma percepção mais profunda da realidade e das consequências do que se está produzindo.

Na sua opinião, as pesquisas focadas na desextinção de espécies são mais benéficas ou mais prejudiciais ao mundo? Pense nisso!

Para ir mais longe – links e notícias interessantes

Programa de Educação Genômica, Departamento de Saúde do Reino Unido – “O que são edição genômica e terapia genética? (em inglês)

Portal G1, Ciência“Cientistas querem trazer espécies extintas de volta ainda nesta década; veja as promessas e entenda críticas”

Portal G1, Ciência – “‘Camundongo-lanoso’: empresa diz ter criado animal peludo com genes dos mamutes que quer ‘ressuscitar'”

CNN Brasil“‘Ciência da ressurreição’ ganha força: será que vamos reviver espécies?”

Veja“Mamute e Dodô: Empresa que pretende reviver animais extintos recebe aporte milionário”

Site oficial da Colossal Laboratories e Biosciences, empresa responsável pelo processo de desextinção do mamute-lanoso (em inglês)

Yale Environment 360, revista da Universidade de Yale (EUA) – “Apesar dos esforços para reviver espécies, a extinção ainda é para sempre” (em inglês)

Revista Nature “Desextinção: tecnologia de laboratório digital dá suporte a um ‘projeto mamute’” (em inglês)

525 anos depois: a presença indígena que molda o Brasil

Você fecha os olhos e, de repente, se imagina 525 anos no passado. Mais exatamente no território que futuramente seria o Brasil, a exatos três dias antes da chegada das naus de Pedro Álvares Cabral (22 de abril de 1500). Naquele vasto território viviam muitas pessoas – entre 2 e 10 milhões, segundo diferentes estimativas de pesquisadores. Na época, aliás, a população do reino de Portugal era de cerca de 1,5 milhão de pessoas. Ou seja: na terra “do lado de cá” do oceano, havia mais gente do que no país dos “conquistadores”!

Onde você estaria?

Agora, pense: você é um indígena brasileiro daquele momento. Em que lugar estaria? Na floresta amazônica, na caatinga, no cerrado, em nosso vasto litoral? Ou nos campos mais frios do Sul? E o que estaria fazendo? Uma coisa é certa: você pertenceria a uma das centenas de etnias originárias, herdeiras de grupos que chegaram ao nosso território há incríveis 12 mil anos ou mesmo antes! Com características próprias, hábitos, língua, crenças, pensamentos e conhecimentos sobre muitas coisas.

Chegamos a 22 de abril de 1500, no sul da Bahia: ao longe no mar, avista-se uma imensa e estranha embarcação. Dela parte um barco menor – uma canoa – com pessoas magras em vestimentas estranhas. Portugueses! A partir daquele momento, nada mais seria igual: as pessoas, relações, objetos, crenças e até mesmo o território, transformado em Colônia e, depois, em país. Nascia o Brasil.

Uma era de contato e trocas culturais entre europeus, indígenas e africanos escravizados. Mas também uma era de violência, resistência e luta por direitos e cidadania.

“Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, 1500”. A tela pintada em 1900 por Oscar Pereira da Silva traz uma representação heróica da chegada dos portugueses ao Brasil. Fonte: Wikipedia.

Os indígenas no Brasil hoje

Agora, voltemos ao presente: em 2025, quem são os povos originários brasileiros? Como podemos honrar e preservar essa herança e essa presença tão ricas e essenciais para a nossa identidade? É isso que vamos explorar agora.

O primeiro passo é reconhecer a importância dessa contribuição.

Pense, por exemplo, na quantidade de lugares do Brasil com nomes indígenas. Só municípios, são 2.085 – 37,4% dos 5.570 existentes em todo o país –, sem contar Estados, rios, montanhas, lagos, baías, bairros e mais. Nomes de origem indígena também estão nas certidões de nascimento de muita gente: Iara, Jaci, Cauã, Cauê, Guaraci e Ubirajara…

E os povos originários ainda compartilharam conhecimentos preciosos sobre a natureza (começando pelas ervas medicinais), agricultura e alimentos (batata, milho, mandioca, tomate…), animais, objetos (como a rede de dormir), hábitos, técnicas, remédios e palavras do nosso vocabulário (como abacaxi, mandioca, pipoca, açaí, cumbuca, capivara e peteca).

Passado e presente

“Ah, mas tudo isso faz parte do passado…” – sim e não! São componentes históricos do nosso patrimônio cultural, mas seguem fortes conosco – e a melhor prova disto é sua presença na nossa linguagem de todos os dias.

Ailton Krenak, líder indígena e intelectual. Fonte: Wikipedia.

Em todos os ambientes onde vivem e atuam, os indígenas participam ativamente da vida brasileira. Eles cumprem um papel estratégico, por exemplo, na conservação e manejo sustentável das florestas, uma demanda cada vez mais importante em um mundo que vive uma emergência climática.

E também estão nos ajudando a pensar o mundo de uma forma diferente, nas universidades e em fóruns de reflexão. Um exemplo? Ailton Krenak, líder indígena, filósofo, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) e professor reconhecido internacionalmente. Em suas obras, ele propõe, por exemplo, a necessidade de se transformar nossa relação com a natureza, de modo a torná-la mais harmônica, mais respeitosa, e menos destrutiva.

Mas, quem são os povos originários do Brasil hoje?

Outra forma de valorizar os povos originários passa por percebê-los como são: uma população numericamente significativa, crescente e influente. E eles não estão “longe”; estão conosco e devem ser mais visibilizados!

De acordo com os dados mais recentes publicados pelo Censo(2022), o Brasil possui cerca de 1,7 milhão de indígenas autodeclarados (0,83% da população total do país), pertencentes a 305 etnias.

Uma população menor que a que existia quando da chegada dos portugueses há cinco séculos, é certo, mas que, nos últimos anos, vem registrando recuperação, motivada, inclusive, por um processo de autoafirmação (a título de comparação: no Censo de 2010, eram 897 mil os brasileiros autodeclarados indígenas).

Esse número não abrange os brasileiros que não se autodeclaram, mas têm ancestrais entre os povos originários – este grupo, para o qual não existe uma estimativa oficial, chegaria a muitos milhões de pessoas!

E onde eles vivem?

Os indígenas brasileiros vivem em todas as regiões do país, nas cidades, no campo e nos chamados “Territórios Indígenas”, que são terras ocupadas tradicionalmente e de modo permanente pelos grupos. Essas terras, pertencentes aos bens da União, são demarcadas legalmente pelo Estado (com base na Constituição Federal de 1988) para uso exclusivo por seus moradores.

Atualmente, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), o país possui 631 áreas que constituem terras indígenas, que equivalem a 13,8% do território nacional. Nelas, também segundo o Censo, cerca de 690 mil pessoas. Na medida em que a ocupação desses territórios segue um modo tradicional – ou seja, sem a exploração extensiva dos recursos naturais –, eles também funcionam como áreas importantes em relação à preservação ambiental.

Territórios Indígenas em mapa da Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

Distribuição

Hoje, pouco mais da metade da população indígena brasileira (51,25%) se concentra na Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, norte do Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, norte de Tocantins e oeste do Maranhão).

O maior grupo – de 490,9 mil pessoas – reside no Estado do Amazonas. O segundo grupo, em termos numéricos, está na Bahia (229,1 mil pessoas), a mesma região onde, em 1500, o grupo de Pedro Álvares Cabral fez o primeiro contato, com os tupiniquins (povo pertencente ao subgrupo tupi). Em tempo: juntas, as regiões Norte e Nordeste concentram 75,70% de toda a população indígena do país.

Oca tradicional de etnias da região amazônica. Foto: Getty Images.

Os maiores grupos e as línguas

Quanto à expressão em termos numéricos (os dados são do Instituto Socioambiental), as maiores etnias indígenas brasileira são as dos Tikuna (Amazônia), Guarani Kaiowá (atualmente, concentrada no Mato Grosso do Sul), Kaingang (Região Sul e São Paulo), Makuxi (Roraima) e Terena (Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo).

E quais as línguas mais faladas?

Antes de chegar a essa informação, é importante destacar que o nosso país possui entre 170 e 274 línguas indígenas, que são faladas pelas 305 etnias.Essa contagem do número de idiomas, vale observar, varia de acordo com a metodologia adotada para classificação – algumas vezes, línguas mais próximas são interpretadas como uma só.

As duas principais famílias (ou troncos) linguísticas são o tupi e o macro-jê. Nelas se inscrevem muitas das línguas indígenas faladas no Brasil. Há, porém, outras famílias numericamente significativas, como pano, caribe e arauak. Há, ainda famílias menores e línguas isoladas ou de contato recente (que ainda estão sendo estudadas).

Mãe e filha da etnia Mebêngôkre (Kayapó). Fonte: Getty Images.

As mais faladas

Chegamos, então, às línguas mais faladas: são elas o guarani (kaiowá, ñandeva e mbya; 51 mil), o tikuna (cerca de 50 mil falantes), o macuxi (30 mil), o kaingang (22 mil), o terena (16 mil), o xavante (13 mil), o yanomami (12 mil), o munduruku (11 mil), o sateré-mawé (10 mil) e o nheengatu (língua geral amazônica – 8 mil).

E, ainda que o português seja a única língua oficial do Brasil, há vários casos de municípios que adotam línguas indígenas cooficiais. Alguns exemplos: São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas (nheengatu, tukano e baniwa), Tacuru, em Mato Grosso do Sul (guarani), e Japurá, também no Amazonas (tikuna).

Valorização das línguas indígenas

Nem todas as línguas indígenas faladas atualmente no Brasil possuem a mesma “saúde”. Há casos de estabilidade e até de crescimento do número de falantes, mas há muitos mais casos em que as gerações mais novas estão falando apenas o português. E existem situações em que as línguas estão desaparecendo. Isso, evidentemente, não ocorre porque os próprios indígenas estão “abandonando” seu idioma e cultura, mas porque, em muitos casos, eles são superexpostos à língua e cultura dominantes – na escola, no trabalho, nas relações sociais mais amplas, no contato permanente com as mídias.

Na medida em que cada língua é um repositório cultural e de transmissão de conhecimentos único, esse fenômeno marca um empobrecimento da cultura geral e deve ser combatido. Há várias iniciativas desse tipo, que vão de programas governamentais a fóruns universitários, passando por uma importante contribuição de comunicadores – influenciadores digitais indígenas ou pesquisadores apaixonados por sua cultura. A Educação Escolar Indígena também cumpre um papel fundamental no sentido de compartilhar, fortalecer e transmitir os conhecimentos linguísticos de uma geração a outra, em um contexto que contemple a interface com a sociedade vista em termos mais amplos.

Em todos esses canais, a luta é pela promoção e pela valorização das línguas, das contribuições culturais, do pensamento e da religiosidade.

Menino indígena amazônico. Foto: Getty Images.

Dia dos Povos Indígenas – conhecer, celebrar, valorizar

O 19 de abril foi oficialmente escolhido para celebrar o Dia dos Povos Indígenas em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas. A data faz referência ao Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado em 19 de abril de 1940 na cidade de Pátzcuaro, México. Esse congresso foi considerado um marco porque, pela primeira vez, líderes indígenas e representantes de governos do continente se sentaram juntos para discutir políticas de proteção e respeito aos direitos dos povos originários. O objetivo era promover a integração e o bem-estar das comunidades indígenas, além de garantir o reconhecimento de suas culturas e tradições.

A data foi chamada oficialmente de “Dia do Índio” até 2022, quando uma lei federal modificou para “Dia dos Povos Indígenas”. Essa mudança atende a uma reivindicação dos próprios povos originários. O termo “índio” nasce de um equívoco de Cristóvão Colombo, que acreditava ter chegado às “Índias” (o Oriente) e encontrado seus habitantes – os “índios”; além disto, é uma palavra genérica, que não espelha a diversidade étnica e cultural dos habitantes originários das Américas.

Já “indígena” (ou “povo indígena”) passou a ser adotado justamente por sua precisão: em latim o termo significa, literalmente, “nascido (genus) dentro (indus), indicando as pessoas que estavam em um lugar antes da chegada de outros povos. Outro termo identificador dos povos indígenas é “povos originários”.

Para ir mais longe

Referências interessantes para você expandir seus conhecimentos e discutir com seus estudantes:

Museu Nacional dos Povos Indígenas, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Notícas, exposições, materiais educativos e informações.

Povos Indígenas do Brasil, do Instituto Socioambiental – Informações importantes sobre todos os povos indígenas do Brasil.

Biblioteca Digital Curt Nimuendaju – Repositório de recursos sobre línguas e culturas indígenas sul-americanas, incluindo livros raros, artigos, dissertações e teses.

Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) – Organização que atua na defesa dos direitos indígenas e quilombolas, com foco no Estado de São Paulo.

Povos Indígenas do Brasil – Site da Survival International, uma das principais organizações globais dedicadas à defesa dos direitos dos povos indígenas e tribais ao redor do mundo (em inglês).

The International Work Group for Indigenous Affairs (IWGIA) – Organização global sem fins lucrativos que trabalha para promover, proteger e defender os direitos dos povos indígenas. Possui status consultivo no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Em inglês.

Índios, Indígenas e Povos Originários – Conteúdo especial produzido pela Biblioteca Nacional do Brasil.

Educação Escolar Indígena, site do MEC com todas as informações sobre a Educação Escolar Indígena no Brasil. Fundamentos, metas, objetivos, organização, resultados etc.

“Viagem Fantástica”: a era dos nanorrobôs já começou!

Representação artística de um nanorrobô produzida por IA.

Não há quem não saiba o que são robôs, não é verdade? Robôs são máquinas programadas e que executam tarefas de forma automática. O termo, surgido há cerca de cem anos em uma obra de ficção científica do escritor checo Karel Čapek, também serve para identificar máquinas “com cara de gente”, como as que vemos nos filmes.

Karel Čapek. Fonte: Wikipedia.

Mas, você sabe o que são nanorrobôs? Devem ser robôs bem pequenininhos, certo? Certo! Nanorrobôs são máquinas espetaculares, que passaram a ser desenvolvidas e aprimoradas nos últimos anos para missões bem especiais. Vamos conhecê-las? Seja bem-vindo a mais uma edição de “Futuro Presente”!

Pequenininhos, mesmo!

Tudo o que começa com o prefixo “nano”, quando o assunto é ciência e tecnologia, é bem pequeno. E bota pequeno nisso! Para se ter uma ideia, um nanômetro equivale a um bilionésimo de metro (1 nm = 10⁻⁹ metros). Se esse número não diz muita coisa, basta imaginar a espessura de um fio de cabelo… e dividi-la por cem mil! É muito pequeno, atômico mesmo! Tanto, que só pode ser visto com microscópios eletrônicos, que são os mais potentes. Aliás, se usamos átomos como referência, 1 nm equivale a algo entre 3 a 5 átomos alinhados.

Com essa medida em mente, podemos pensar, de modo geral, em nanorrobôs: são máquinas construídas em escala nano, ou seja, com porções muito reduzidas, atômicas, de matéria. E, mesmo assim, são capazes de realizar tarefas complexas, como transportar medicamentos para dentro de células cancerosas, por exemplo. Elas são compostas por um motor, que possibilita seus movimentos, e por um sensor, que permite uma resposta diante de determinadas situações.

E, ao contrário do que manda a nossa imaginação (não há como não imaginá-los como aquelas máquinas humanoides dos filmes), eles, de modo geral, são mais parecidos com um pedaço de tecido com capacidade de reação: quando “percebem” um alvo (uma célula cancerosa, por exemplo), podem mudar de forma, catalisar (ou seja, acionar uma reação) e “disparar” uma substância.

Viagem Fantástica

Fonte: Wikipedia.

Em 1966, o filme “Viagem Fantástica” (“Fantastic Voyage” – cartaz do filme ao lado), um grande sucesso do cinema de ficção científica, trouxe uma ideia instigante: na história, cientistas conseguem miniaturizar objetos e seres vivos em uma escala muito reduzida. Então, eles miniaturizam uma “nave”, com tripulação e tudo, e a injetam na corrente sanguínea de uma pessoa com um coágulo no cérebro; a missão dos “organismautas” – se podemos batizá-los assim – seria drenar este coágulo e salvar a vida do paciente. Legal, né? Legal e engenhoso!

Ainda não conseguimos criar uma tecnologia que reduza o tamanho de um objeto; porém, já temos nas lâminas dos microscópios muitos nanorrobôs especialmente criados para missões semelhantes à do filme. Vamos descobrir quando tudo começou.

Entram em cena os “nanobots”

Richard Feynman. Fonte: Wikipedia.

O ano era 1959. Em uma conferência nos Estados Unidos, o físico Richard Feynman, vencedor do Prêmio Nobel em 1965, usou pela primeira vez a expressão “nanobots” (em português, “nanorrobôs”) para se referir a futuras máquinas, em escala nanométrica, capazes de curar doenças cardíacas com intervenções ao mesmo tempo muito reduzidas e precisas. Alguns anos depois, outro cientista, Eric Drexler, aproveitou a ideia para escrever um livro em que falava da possibilidade de construção de máquinas em escala molecular, para uso em aplicações no campo da biologia celular.

Em 1999, o físico Robert Freitas Jr. lançou o primeiro estudo com foco na viabilidade e no desenvolvimento desses aparelhos. Ele propôs a criação de nanorrobôs médicos, a que batizou “respirócitos” – sua função seria semelhante à dos glóbulos vermelhos. A partir de então, os estudos e as invenções não pararam mais!

Desafios

Tendo em mente o tamanho das máquinas, podemos concluir que sua produção implique porções minúsculas de materiais e ferramentas igualmente nanoscópicas – o que pede investimentos altos e muito conhecimento. E é isso mesmo! Em nosso tempo, os nanorrobôs são produzidos a partir de materiais orgânicos, como proteínas e polinucleotídeos (moléculas formadas por nucleotídeos, que são os blocos básicos do DNA e RNA), e também a partir de materiais inorgânicos como metais (como a prata e o ouro) ou diamante.

Nanomotor helicoidal coberto por um filme de ferro. Fonte: Wikipedia.

A coisa, porém, é bem complexa. Como observamos alguns parágrafos acima, essas máquinas possuem sensores e propulsores, e podem até contar com depósitos para o transporte de outros materiais em escala nano. Muitas vezes, inclusive, seu desenho foge à ideia que temos do que seria uma máquina – com engrenagens e braços, por exemplo, comuns aos equipamentos mecânicos que fazem parte do nosso dia a dia.

Essa complexidade torna o desenvolvimento dos nanorrobôs muito desafiador. Como construir componentes tão pequenos? Como energizá-los? Como, enfim, comunicar-se com eles? E é necessário pensar, também, em como o ambiente em que vão atuar reage à sua presença – poderá ocorrer, por exemplo, algum tipo de contaminação? E, depois que a tarefa for cumprida, o organismo ou ambiente hospedeiro precisará “expulsar” os nanorrobôs? Os cientistas estão buscando respostas a essas e outras perguntas. Eles buscam soluções em um maior conhecimento da própria natureza (do funcionamento dos tecidos humanos, por exemplo), em técnicas ainda mais refinadas para a construção das máquinas, para a comunicação com os “nanos” e para o controle das substâncias que podem ser transportadas por eles.

Mesmo com tantos desafios, o campo da nanorrobótica está crescendo. Um exemplo recente – do segundo semestre de 2024 – vem do Instituto Karolinska, da Suécia. Lá, pesquisadores criaram nanorrobôs que matam células cancerosas e reduzem o crescimento de tumores. Ao “ler” o tecido celular onde estão mergulhados – a partir do contato com substâncias químicas e até de respostas eletromagnéticas associadas ao metabolismo –, eles são capazes de identificar as células doentes, que, então, são atacadas e destruídas, sem prejuízo às células saudáveis.

Outras aplicações

Se os usos e o potencial da nanorrobótica na Medicina são apaixonantes, imagine que os “nanos” também podem ser usados em muitas outras áreas. Quer alguns exemplos?

  • Na restauração e limpeza de obras de arte e peças arqueológicas, que pedem, sempre, intervenções muito cuidadosas;
  • Na montagem e reparação de componentes eletrônicos em escala microscópica;
  • Na despoluição de rios e no tratamento da água;
  • No monitoramento e na nutrição de zonas de cultivo.

Para todos esses casos, vale observar, não estamos falando de nanorrobôs isolados, mas de verdadeiros “exércitos” de nanomáquinas.

Representação artística, gerada por IA, de um robô restaurando uma obra de arte. No caso dos “nanos”, a escala é infinitamente menor!

E o Brasil?

Em nosso país, há várias iniciativas no campo da nanotecnologia, inclusive algumas que trabalham com nanorrobôs. Na medida, porém, em que esse é um campo que exige grande investimento, muita especialização e interdisciplinaridade, o Brasil não está na vanguarda – caso de países como Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Coreia e Suíça. Esse “clube”, aliás, é bem restrito!

Mas, onde estão os nossos “nanoexperts”?

Entre os centros acadêmicos de pesquisa e formação na área de nanotecnologia – que abrange a nanorrobótica -, podemos citar as seguintes instituições: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Universidade de São Paulo (USP); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Paraná (UFPR); Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Da ficção… para a sua vida!

O caminho dos nanorrobôs é longo e está só começando (e olhe, que já são muitas as conquistas!). E, com o aporte de novas tecnologias às pesquisas – como as de novos materiais e, certamente, a da IA –, é de se esperar que, nos próximos anos, tenhamos muitas notícias sobre essas “maquininhas” tão instigantes. Um dos campos mais promissores, sem dúvida, é o da saúde, no tratamento de tumores, na reconstrução de tecidos, no ataque a vírus e no tratamento de aneurismas, por exemplo. Em síntese: é Futuro Presente!

#DESAFIO:

Agora, pare e pense: se você fosse um cientista, que tipo de solução você criaria usando nanorrobôs?

Uma pequena história da tecnologia dos livros

Em argila, papiro, pergaminho, papel ou, mais recentemente, em formato digital, os livros estão entre as maiores conquistas – e, certamente, as maiores expressões – da humanidade. Eles guardam as leis civis e os princípios religiosos, as ideias, a ciência e muitas histórias. São tão importantes e estão tão presentes que, muitas vezes, a gente nem imagina quando começaram. Afinal, quem escreveu os primeiros livros? E quando os livros impressos ganharam a “cara” que têm hoje, de um conjunto de folhas impressas e reunidas em um volume encadernado? É o que vamos saber neste artigo especial – boa leitura!

Escrita, acesso e mobilidade

Quando falamos em livros, a imagem que naturalmente vem à mente é a dos livros que conhecemos hoje: produzidos em papel, com capa, páginas internas e o formato de caderno. Um modelo perfeito para armazenar, transportar e acessar informações, que se tornou cada vez mais popular graças à descoberta e ao domínio das tecnologias de produção do papel (séc. II, China) e da impressão em tipos móveis (séc. XI, China e séc. XVI, Europa). E experimentou um salto a partir do século XIX, com avanços na indústria gráfica que culminaram, em nossa época, em tecnologias como a da impressão digital e a produção em larga escala.

Os primeiros livros da humanidade, porém, não reuniam toda essa praticidade! Ou melhor, reuniam, mas à sua maneira! E davam conta totalmente do recado – tanto, que muitos sobreviveram por mais de cinco mil anos! Estamos falando das tábuas de escrita cuneiforme, produzidas em argila cozida pelos sumérios, civilização que existiu na Mesopotâmia, em áreas dos territórios do atual Iraque e Síria, por volta de 3.200 a.C.; nelas, a escrita era feita usando-se espátulas com ponta em forma de cunha – daí o nome “cuneiforme”.

Tábua de argila com registro de escrita cuneiforme.

As tabuinhas, aliás, prenunciam o uso que damos hoje ao papel: no caso daqueles documentos que precisavam ser guardados, como leis, tratados e textos sagrados, elas eram queimadas e, assim, adquiriam grande resistência, sendo então guardadas nas primeiras bibliotecas; no caso de escritas do dia a dia – contas, recibos, recados, exercícios –, elas eram registradas em argila e postas a secar no sol. Quando necessário, a escrita podia ser apagada com água, permitindo que a placa fosse reutilizada para novos registros.

Outros suportes geniais para a produção de livros, ainda que um pouco mais recentes – mas, mesmo assim, muito antigas – vêm da China e, é claro, do nosso conhecido Egito Antigo. Na China, há cerca de quatro mil anos, os primeiros textos eram literalmente riscados em ossos e cascos de tartaruga. Pelo século VI a. C., porém, os redatores já usavam tiras de bambu costuradas em formato de esteira, onde escreviam usando pincel e tinta. Curiosamente, o bambu seria a base para uma das maiores invenções da história: o papel – sobre o qual falaremos daqui a pouco.

Quanto ao Egito, é impossível separar esta incrível civilização de uma palavra: papiro. O papiro, uma planta aquática (Cyperus papyrus), tornou-se essencial porque, por séculos, foi o principal suporte para a escrita. Não apenas no próprio Egito, onde era utilizado desde o século XXV a.C., mas também em Roma, que conquistou a civilização dos faraós (no séc. I a.C.) e disseminou seu uso por todo o império.

Rolos de papiro. Invenção egípcia se tornou muito popular no Império Romano.

Outras civilizações importantes da Antiguidade, como a indiana, usavam suportes vegetais para a escrita. Muitos textos clássicos do hinduísmo, como o “Mahabharata”, eram registrados em folhas de palmeira tratadas. As folhas, aliás, apresentam uma vantagem e uma desvantagem em comparação às tábuas sumérias de argila: são mais leves e fáceis de armazenar, mas, ao mesmo tempo, mais frágeis, podendo ser facilmente destruídas, rasgadas ou queimadas.

Códice: livro “com cara” de livro

Como vimos, os livros estão entre nós há muito tempo e são quase tão antigos quanto a própria escrita, que, aliás, foi inventada pelos sumérios. A escrita, vale observar, foi criada diversas vezes, por civilizações distintas e em épocas diferentes: mesopotâmicos, chineses, fenícios, maias… criações originais, que demonstram a inteligência humana!

Mas, quando foi que esses documentos ganharam “cara de livro”? Ou melhor: quando foi que eles ficaram mais parecidos com os livros impressos que conhecemos hoje?

A resposta está em Roma. Foi lá que nasceu o “Codex” ou códice – do latim, “casca de árvore” –, um caderno produzido a partir de folhas costuradas, muito usado por comerciantes. No início, os códices eram considerados menos nobres que os rolos de papiro, porém, pela praticidade de armazenamento e até de uso, acabaram prevalecendo.

Códice grego do século X, com trecho do Evangelho.

Duas curiosidades aqui: 1) – os primeiros textos cristãos, escritos no século I, foram assentados em códices e não em rolos de papiro; 2) – outra civilização, totalmente separada de Roma, também inventou o códice: os maias, que, por volta do século XII, começaram a publicar livros em folha de figueira chamados por eles de “huun”. Infelizmente, a maioria desses documentos acabou destruída quando da chegada dos espanhóis à península mexicana.

Lâminas 8 e 9 do Códice Maia de Dresden.

E o pergaminho?

Antes de avançar para um momento muito especial da história do livro, é interessante falar sobre um outro material importante para sua confecção: o pergaminho, cujo nome deriva do nome da cidade grega de Pérgamo, onde teria surgido por volta do século II a.C (na verdade, seu uso é mais antigo, mas o nome “pegou”). O pergaminho nada mais é do que uma pele animal – normalmente, de cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha – especialmente tratada para receber a escrita. Documentos mais luxuosos, produzidos em pele de bezerros, eram chamados “velinos”.

Os pergaminhos competiam com os papiros e até os substituíam. Como na Idade Média europeia, quando os monastérios cristãos produziram e reproduziram milhares de textos usando pergaminhos – isto porque o couro estava muito mais à mão que os papiros do agora distante Egito. Se bem conservado, o pergaminho é um material durável, o que também justifica a preferência.

Documento oficial de 1329 redigido sobre um velino.

Papel e impressão

É curioso: nossos livros atuais são, ao mesmo tempo, muito diferentes e muito semelhantes aos livros de 500 anos atrás. São diferentes porque, hoje, as tecnologias de impressão e montagem são muito mais avançadas – elas, aliás, passaram por várias revoluções ao longo do tempo, com a indústria e os computadores –, e também porque em nossa época a variedade de papéis de impressão é muito grande. E são iguais por conta, justamente, do papel e da impressão!

Ambas as tecnologias vêm da China, com a observação de que, no caso da impressão de tipos móveis, ela também foi criada no Ocidente, em um processo semelhante ao que já observamos em relação à escrita – a mesma invenção, em tempos diferentes.

Da China para o mundo

No caso do papel, ele foi criado na China por volta do século II a.C., quando seus inventores começaram a usar fibras vegetais trituradas (de bambu, cânhamo, amoreira, restos de tecido e redes). Essas fibras eram mergulhadas em tanques e filtradas em telas bem finas, em que ficavam depositadas e formavam camadas; depois de secas, estas camadas se transformavam em folhas de papel que eram, então, recortadas. Por volta do século I d.C., usando fibras de bambu, um inventor chinês chamado C’ai Lun aprimorou a técnica de produção do papel. A partir de então, ele ganhou o mundo, chegando a outras regiões da Ásia, à África e à Europa, pela Rota da Seda. E, com a difusão da tecnologia pelo mundo, gradativamente tornou-se mais barato e popular. E, como funcionava muito melhor que o papiro e o pergaminho – pela regularidade, cor e oferta –, acabou prevalecendo. Em tempo: a produção do papel, atualmente, segue a mesma lógica da técnica inicial; a matéria-prima, porém, é a celulose (principal componente da parede celular das plantas), extraída de árvores de reflorestamento.

Impressão lá e cá

Chegamos, então, à impressão, que possui vários antecedentes, a começar pelo carimbo e o decalque, que já eram conhecidos e utilizados por várias civilizações em todo o mundo. No entanto, foi apenas por volta do século XI, na China, que se pensou em imprimir textos usando tipos – no caso chinês, com ideogramas – para compor as frases. São os chamados “tipos móveis”, ou seja, tipos que podem ser reaproveitados.

De forma simples, na impressão tradicional, podemos dizer que cada tipo é como um pequeno carimbo, que é alinhado com outros tipos dentro de uma estrutura para formar as frases. Depois de ser devidamente “enquadrada”, cada página recebe uma camada de tinta e, então, é aplicada sobre uma folha de papel com uma certa pressão. Nesse sistema, para que os ideogramas (ou letras) fossem impressos corretamente, era preciso produzir os tipos invertidos.

E foi exatamente essa a técnica desenvolvida na Europa, no século XV, por Johannes Gutenberg, um relojoeiro alemão que se dedicou à produção de livros e, neste processo, acabou “virando a chave” para a popularização dos livros – e, de quebra, ajudou a impulsionar grandes transformações como o Renascimento e a Reforma. Pense, por exemplo, na popularização das Bíblias (que passaram a ser traduzidas para vários idiomas), nos manuais técnicos, nas obras filosóficas e científicas. Bingo!

Ateliê europeu de impressão. Observe-se a composição da chapa tipos móveis, à direita, e a chamada “entintagem” dos tipos à esquerda.

Em termos gerais, ambas as técnicas, a chinesa e a de Gutenberg, partiam da mesma premissa. Contudo, o alfabeto latino, por seu número limitado de letras, facilitava a composição de textos (naquela época, a escrita chinesa possuía dezenas de milhares de ideogramas!). Além disso, a tecnologia de Gutemberg utilizava tipos metálicos, mais duráveis, enquanto a chinesa se baseava em tipos de madeira ou cerâmica, mais frágeis.

Livro coreano (escrito em chinês) impresso em tipos móveis. Século XIII.

Revolução e livros

No século XVIII, a Inglaterra liderou um movimento de profunda transformação da produção – a Revolução Industrial. Os artesãos, pessoas altamente especializadas, deram lugar a operários e máquinas, que produziam mais em menos tempo. Esse processo, que está muito relacionado com a própria Revolução Científica, promoveu grandes mudanças na sociedade, com reflexos sobre os livros e a leitura.

As técnicas de impressão melhoraram sensivelmente em qualidade e escala (como, por exemplo, com a impressora movida a vapor), ao mesmo tempo em que as pessoas, que passaram a se concentrar nas cidades, foram tendo mais acesso à educação e à alfabetização. E vieram os jornais populares, as novelas de detetives e os romances, os tratados filosóficos e de política, os panfletos, os livros técnicos, os livros didáticos… livros à mancheia, como diria Castro Alves em “O Livro e a América”!

No século XIX, os jornais populares impulsionaram o interesse pela leitura.

No final do século XX houve um novo salto no segmento editorial. Tecnologias de impressão consagradas, como a offset com fotolito, deram lugar à impressão digital. Os livros passaram a ser escritos e diagramados com uso de softwares e apoio de recursos avançados de fotografia digital e envio de dados. A escala também cresceu muito, e o preço das impressões caiu. Além disso, a logística envolvida na compra e envio dos livros também melhorou muito.

Apenas para se ter uma ideia, o Brasil imprime, em média, 300 milhões de livros por ano – muitos, destinados diretamente ao setor educacional (livros didáticos); nos Estados Unidos, este número chega perto de um bilhão de exemplares. Uma enormidade!

O futuro nas páginas

A apresentação de livros em formato digital, em suportes eletrônicos como os computadores pessoais e o Kindle, abriu uma nova frente para os leitores. E, antecipamos o futuro aqui, vai facilitar a vida das futuras gerações em suas andanças pelo universo com suas “bibliotecas de bolso”!

O mais importante é que os livros – estes velhos e queridos companheiros, tão humanos, tão nossos – vão continuar revolucionando o mundo. Com conhecimento, sentimento, sabedoria e informação.

Tecnologias como a do E-book ampliaram ainda mais o acesso aos livros. Mas, elas representam o futuro?

Para pensar a Água! Dados e reflexões sobre um bem essencial

Você já pensou na ideia de educar alguém para a água? A ideia pode soar até um pouco estranha – afinal, a água é a companheira de todas as formas de vida do nosso planeta desde sempre –, mas ela é cada vez mais necessária!

Com o aumento do consumo de água por setores como a indústria, a pecuária e a agricultura, a pressão sobre rios, lagos e reservatórios subterrâneos cresce significativamente.

Além disso, eventos extremos, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, mostram que as mudanças climáticas já estão impactando diretamente o regime das águas. Períodos de chuva intensa e estiagens prolongadas têm se tornado cada vez mais comuns, em um fenômeno que pesquisadores chamam de “emergência climática”.

“Um copo d’água, Sr. Lavoisier”

Por volta de 1775, na França, o químico Antoine Lavoisier publicou uma frase que se tornaria célebre no campo da ciência. Essa observação, que ganhou o nome de “Lei da Conservação das Massas” (ou “Lei de Lavoisier”), afirmava que, “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Essa lei vale para os compostos químicos e para a água – porque, independentemente das transformações químicas ou físicas pelas quais ela passe, ao fim do processo sua massa total sempre será conservada.

O que significa dizer que, salvo pela chegada de “água do espaço sideral” em meteoros/meteoritos – algo que é muito raro e insignificante em termos de volume, ao menos na nossa época –, a quantidade da substância é a mesma há muitos milhões de anos. E ela apenas vai se transformando em um eterno ciclo de “sólido, líquido e gasoso”.

🌊 Transformações complicadas

Diante disso, não haveria por que se preocupar, certo? Errado! Porque, se nós não temos a capacidade de “fazer desaparecer” a massa total de água do planeta, reunimos todas as condições – e fazemos isso constantemente – de transformá-la. Não apenas dentro de seus estados físicos, mas também por meio da poluição e de alterações no relevo terrestre (com a construção de represas e o desmatamento, por exemplo).

Essas mudanças comprometem a qualidade da água para todas as formas de vida, e podem demandar esforços gigantescos – muitas vezes, inviáveis – de recuperação ou recomposição. Em síntese: dispomos de toda a água do mundo, mas não estamos sabendo como cuidar dela. E os resultados são preocupantes!

 

🌧️ Algumas informações interessantes

Você já ouviu falar em “superfície terrestre”, certo? Ela é aquela camada do nosso planeta, aquela “capa” – apesar de enorme, muito fina na comparação com o diâmetro do planeta – onde a vida acontece. Ela é formada pela litosfera (camada sólida), pela hidrosfera (oceanos, mares, lagos, rios e reservatórios subterrâneos) e pela atmosfera (a camada gasosa).

E é justamente nela que está toda a água; aliás, cerca de 71% da superfície terrestre é coberta por água. Nesse ambiente ela circula sem parar, seguindo o chamado “ciclo da água” – circulação em estado líquido, evaporação, congelamento, retorno em forma de chuva e assim por diante. E pode até acabar “estocada”, na forma líquida, em lençóis subterrâneos e reservatórios conhecidos como aquíferos, que são tremendamente importantes para a regulagem dos próprios rios; e em geleiras, situadas nas zonas mais altas do planeta e, também, próximo dos polos.

Detalhe crucial: como os seres vivos são formados e dependem totalmente da água, é possível afirmar, sem errar, que eles entram no mesmo ciclo: nós, por exemplo, bebemos água, consumimos alimentos, vamos ao banheiro, respiramos, transpiramos… ou seja, também estamos “trocando água” com o mundo o tempo todo!

A quantidade de água, como observamos, é grande – algo como 1,386 bilhão de quilômetros cúbicos (se colocássemos toda ela em uma esfera, esta teria um pouco menos da metade do tamanho da Lua!). O que não significa dizer que estamos com a “caixa cheia”! Isso porque 97,3% dela é salgada; 77,2% está congelada (doce ou salgada, em montanhas, icebergs e banquisas); 22,4% está guardada sob a terra, em lençóis e aquíferos; e apenas 2,7% é doce. Só que nem toda a água doce é potável – ou seja, própria para o consumo humano.

Quanto ao uso da água pelas sociedades, em uma média ele está dividido da seguinte maneira: 70% na agricultura e pecuária, 20% na indústria (em processos de fabricação, resfriamento, produção de energia e limpeza) e 10% no uso doméstico (alimentação, limpeza, sistemas de esgoto etc.). Vale observar que esses percentuais variam entre os países – o Brasil, por exemplo, utiliza mais água no setor agropecuário do que outros países.

Vale observar que todos esses usos são humanos e se situam dentro de um universo muito mais complexo, que compreende os demais componentes da biosfera. O que significa dizer que, além de “nos atender”, a água também deve nutrir todos os demais seres vivos dentro de um sistema repleto de variáveis (como, por exemplo, as estações do ano).

🚱 “Ah, mas se faltar a gente dá um jeito…”

Depende! Se, por um lado, em tese é possível recuperar e potabilizar águas contaminadas, salobras, salgadas ou “escondidas” – e há uma corrida tecnológica em busca de meios mais interessantes para isso –, por outro lado estes processos todos são, sempre, muito caros.

Para ter acesso a uma fonte de água subterrânea, por exemplo, é preciso cavar um poço, que pode ser muito profundo; muitas vezes, a água dos poços precisa ser tratada, resfriada e até desmineralizada para, então, estar disponível para o consumo.

E há um outro fator muito importante: o tempo. Há um antigo ditado chinês que afirma que “uma pessoa não deve começar a cavar um poço quando já está com sede”; esta regra parece funcionar perfeitamente para a questão de que estamos tratando. Visto em termos muito gerais, o mundo ainda não está “com sede” – ela, porém, já afeta muitas pessoas e causa muitas mortes.

Dados da ONU (2023) mostram que cerca de 2 bilhões de pessoas (26% da população global) não têm acesso a água potável segura; destas, cerca de 1,7 bilhão utiliza fontes contaminadas por fezes ou produtos químicos; e cerca de 4 bilhões de pessoas (quase metade da população mundial) enfrentam escassez severa de água por pelo menos um mês ao ano.

A maior parte das pessoas afetadas vive nos países mais pobres, que não possuem meios de solucionar a questão. À medida, porém, que a emergência climática se acelera, esse número vai crescer e chegar, também, aos países mais fortes economicamente. Há, inclusive, quem afirme que já estamos em uma etapa de “guerras da água”, quando países lutarão pelo controle e pelo uso deste recurso. Nesse sentido, o futuro não é nada promissor…

🛡️ Então, como fazer?

Promissor, mesmo, é investir em caminhos sustentáveis para o uso e a conservação das águas disponíveis. Ao invés de explorar aquíferos, proteger as nascentes e os rios; ao invés de dessalinizar a água do mar, proteger as florestas e recompor o meio ambiente em regiões degradadas para “plantar água” (regulando os lençóis e protegendo os rios do assoreamento). Ao invés de consumir alimentos e produtos cuja produção implica um gasto extremo de água, olhar com cuidado para os próprios hábitos em busca de equilíbrio.

Pausa para um exemplo: a produção de 1 kg de carne bovina envolve, em média, o consumo de 15 mil litros de água (os dados são do Water Footprint Network e do Instituto Akatu); tomando como referência o valor recomendado pela ONU de consumo de água por pessoa/dia, que é de 110 litros, chegamos à conclusão de que o volume de água investido na produção de 1 kg de carne poderia suprir as necessidades diárias de uma pessoa por mais de 4 meses!

Não estamos falando, evidentemente, em eliminar o consumo de carne bovina, que é um hábito nutricional, cultural e de saúde de bilhões de pessoas em todo o mundo; o importante, aqui, é refletir sobre os hábitos e a responsabilidade em relação aos impactos do consumo.

🚰 Dia Mundial da Água

Essa, aliás, é uma ideia central do Dia Internacional da Água, proposto pela Organização das Nações Unidas em 1992. A data, que é comemorada no dia 22 de março, funciona como um mobilizador de pessoas, empresas e sociedade para conhecer os problemas da água, conscientizar sobre o uso consciente de um recurso que é precioso e escasso.

Na medida em que esse é um processo civilizatório – ou seja, ele implica uma mudança de hábitos e de olhar de longa duração, que envolve toda uma comunidade –, ele deve, necessariamente, envolver a educação e a escola, já na Educação Básica. E é aí que entra em cena a Educação Ambiental, prevista, no caso brasileiro, de forma transversal (pela BNCC). E que, evidentemente, pode ser trabalhada de muitas maneiras, integrando colocações mais teóricas – como a que diz respeito, por exemplo, à compreensão esquemática do ciclo da água – e metodologias ativas que trabalhem com observação de campo, ação e protagonismo dos estudantes.

É possível, por exemplo, envolver os estudantes no conhecimento dos rios da cidade/bairro onde eles moram, do papel das águas para o desenvolvimento da civilização naquele local e a forma como estes cursos estão sendo tratados na atualidade. Perguntas como “Onde está o rio que passava ali?” ou “Quais são e onde ficam os rios do seu bairro?” podem dar início a belos projetos de pesquisa com impacto na comunidade.

É possível envolver os estudantes na compreensão dos custos de tratamento do esgoto em uma visita às estações e estruturas associadas. É possível, enfim, fazer com que eles percebam a relação entre água e os hábitos de consumo de diferentes maneiras. E levá-los a conhecer os caminhos para a conservação e o uso racional e sustentável.

Essa lista de possibilidades, evidentemente, é muito maior, e pode levar em conta os muitos cenários onde as escolas e as comunidades estão inseridas. O essencial, em todos os casos, é o letramento das novas gerações para uma questão fundamental.

💦 Quero encontrar mais fontes:

Legal! Vamos listar alguns links importantes para o trabalho sobre a temática da água na escola:

Organização das Nações Unidas (ONU) – Água (UN Water): Portal que mostra o trabalho da ONU em relação à água e ao saneamento. Traz notícias, relatórios e infográficos. Disponivel em português.

UNESCO – Programa Hidrológico Internacional (PHI): A UNESCO promove pesquisas e educação sobre gestão sustentável da água. O Programa Hidrológico Internacional (PHI) é uma referência global em estudos sobre recursos hídricos. Em inglês e espanhol.

Water Footprint Network (Rede de Pegada Hídrica): Esta organização internacional calcula a “pegada hídrica” de produtos, países e indivíduos, mostrando o consumo de água em diferentes atividades. Em inglês.

Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA): O portal da agência reguladora de recursos hídricos no Brasil traz notícias e materiais educacionais interessantes. Em português.

Portal Trata Brasil: O portal do Instituto Trata Brasil traz informações relevantes e materiais educativos sobre o saneamento básico no país. Em português.

Há, também, espaços físicos dedicados à educação para a água. Destacamos o Museu Planeta Água, mantido pela Companhia de Saneamento Básico do Paraná, a Sanepar, em Curitiba, e o Museu Água, mantido em São Paulo pela Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESABESP).

“De outros carnavais”: a origem da maior festa brasileira!

O Carnaval é a grande festa brasileira. Ela, porém, é bem mais antiga que o próprio Brasil!

Todos os anos, para a alegria de muita gente (e até para o desgosto de quem não gosta da festa), tem Carnaval: é tempo de bloco na rua, fantasia, samba enredo, confete, escola de samba, pandeiro, cuíca, maracatu, brincadeira, marchinha, trio elétrico, ala das baianas, abadá e muita dança. No caso do Brasil, é tempo de colocar na rua toda a alegria e toda a criatividade que fazem nosso povo conhecido em todo o mundo.

E é interessante: há poucas festas no mundo que, apesar de repetir um padrão, se renovam tanto. Todo ano tem Carnaval e, mesmo assim, cada Carnaval é único. Uma festa extraordinária!

A “jovialidade” do Carnaval faz até com que a gente se esqueça que a festa é muito antiga. Mas, você sabe quando começou o Carnaval?

“A Luta entre o Carnaval e a Quaresma”, pintura de 1559 do artista neerlandês Pieter Bruegel.

Uma festa católica e romana

Antes de chegar à origem histórica do Carnaval, é interessante a gente saber o motivo da festa. Por que, afinal, isso de “carnaval”, uma festa que aposta na alegria, na desinibição e até na inversão dos elementos conhecidos? O que a “carne”, que aparentemente aparece no nome da festa, tem a ver com o reco-reco e o pandeiro? Vamos descobrir!

O Carnaval é uma celebração originalmente católica, diretamente relacionada à Quaresma, o intervalo de 40 dias que antecede a Páscoa estabelecido pela Igreja. Nesse período, em respeito ao suplício e à ressurreição de Jesus – o elemento mais importante do mistério cristão –, os fiéis se abstinham de consumir carne.

Aliás, o termo “carnaval” vem daí: da expressão latina “carnis levale” ou “carnem levare”, que significa, literalmente, “tirar a carne”. E também trocar outros hábitos “mundanos” por reflexões, orações e presença mais assídua à missa.

Então, antes que chegasse esse período de apaziguamento, as pessoas faziam uma despedida “em grande estilo” dos velhos hábitos. Com dança, comida, bebida e brincadeiras.

A civilização e os festivais romanos, como a Saturnália, são uma grande inspiração do Carnaval.

Mas, quando começou?

Localizado o contexto, podemos buscar o início da festa. Os primeiros movimentos no sentido de se guardar um período antes da Páscoa datam do século 2 d.C. e vêm de Roma. Ou seja: se a Quaresma nasceu nesse contexto, é bem possível que o Carnaval tenha surgido na mesma época. E a coisa foi se organizando – tanto para a Quaresma quanto para o Carnaval. Na Idade Média, ambos os momentos já estavam mais do que consolidados. E chegaram ao Brasil no século XVI com o catolicismo português.

Vale observar que, se o Carnaval como data associada à religião nasce nos primeiros séculos da Era Cristã, seus componentes – festa, dança, música, comilança e brincadeiras – são ainda mais antigos.

Os bonecos gigantes de Olinda são uma atração à parte no Carnaval do Nordeste!

Em Roma, como os romanos

Algumas linhas acima, localizamos a origem da festa entre os cristãos primitivos de Roma, capital de um Império muito poderoso cujo calendário religioso estava repleto de celebrações. Havia muitas religiões e divindades “disponíveis” – além de seus próprios deuses, os romanos podiam venerar livremente e participar de rituais e festas. E eles, por sua vez, podiam ser generosos em termos do que chamaríamos de “excessos”, em especial quando associadas a deuses como Baco (Dionísio, para os gregos), relacionado ao vinho, à festa, ao teatro e ao êxtase.

Ao chegar em Roma e fazer seguidores entre os moradores da cidade, o Cristianismo incorporou hábitos e condutas locais, que se somaram para formar a grande festa do início do ano.

Brasil: um Carnaval ainda mais rico

No Brasil, ao longo de mais de 500 anos, a festa ganhou uma quantidade enorme de elementos culturais, significados e formatos em diferentes regiões do país. Começando por um distanciamento em relação à religião. Hoje em dia, muita gente já não vê e nem sabe que existe uma ligação entre o Carnaval e a Quaresma. Tanto, que estamos falando a respeito neste artigo!

O contato dos portugueses com os povos originários indígenas e com os povos oriundos de diferentes partes da África no período da escravidão somou ao Carnaval brasileiro características únicas. Se a celebração cristã europeia incorporava elementos pré-cristãos, a celebração brasileira somou os elementos europeus aos de outras culturas antigas e ricas – e isto aparece nos temas, roupas, instrumentos e estilos musicais. O Carnaval brasileiro tem muitas referências, do Amazonas a Veneza, do Egito ao Japão!

“Marimba. Passeio de domingo à tarde”. Aquarela de Jean-Baptiste Debret, de 1826. Observe os instrumentos musicais e as roupas dos participantes, que são negros brasileiros.

Um mundo de instrumentos

Pense apenas, por exemplo, nos instrumentos de percussão que constroem a sonoridade carnavalesca das nossas avenidas e ladeiras. Lá estão, entre outros instrumentos, o surdo (um grande bumbo de marcação, universal), o pandeiro (português), a cuíca (bantu/africano), a caixa (europeia), o agogô (iorubá/africano) e daí por diante. Aliás, convidamos você a descobrir a origem de outros instrumentos – segue a lista: tamborim, repinique, agogô, reco-reco, chocalho, ganzá, repique de mão, alfaia, timbal, xequerê e triângulo. Você vai se surpreender!

Você conhece o agogô? É um instrumento de Carnaval que nasceu com o povo Yourubá, na Nigéria, e veio ao Brasil com os povos escravizados.

O Carnaval no Brasil moderno

Seguindo daqui: a festa foi se organizando, se conformando, até chegar aos séculos 19 e 20. Em um Brasil independente e cada vez mais urbano, com acesso a novas tecnologias comunicacionais – o rádio, o disco, a tevê –, o carnaval cresceu e os sambistas começaram a ter mais reconhecimento.

Muitos deles, mulheres e homens negros oriundos de comunidades carentes economicamente. Outros, vindos de uma classe média urbana. Uma lista que inclui nomes como Cartola, Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, Clara Nunes, Alcione, Paulinho da Viola, Candeia, Batatinha, Beth Carvalho, Adoniram Barbosa, Martinho da Vila, Nelson Sargento, Clementina de Jesus, Jamelão, Elza Soares, Zeca Pagodinho, Dona Ivone Lara e muitos outros!

A valorização do samba e dos demais ritmos carnavalescos (como o coco, o frevo, o maracatu e o carimbó) não foi, evidentemente, um processo simples ou pacífico – ela foi possível, na verdade, graças ao enorme valor cultural envolvido. Por muito tempo, especialmente as manifestações associadas às raízes não europeias foram vistas com suspeição e preconceito. Aos poucos, porém, esse preconceito vem sendo superado.

O artista francês Jean Baptiste Debret registrou muitas festas e folguedos no Brasil. Como esses “Meninos brincando de Soldados”, de 1827.

Um Brasil de muitos carnavais

Se você fechasse os olhos e pensasse no Carnaval brasileiro, que imagem viria à sua cabeça? A das escolas de samba do Rio e de São Paulo? Das ruas de Salvador? Do frevo das ladeiras de Olinda e Recife? Dos maracatus de Pernambuco? Dos blocos do Rio e de muitas capitais brasileiras? Do boi-bumbá do Norte e Nordeste? Dos desfiles de fantasia? Qualquer uma delas é perfeita! Isso porque o Carnaval brasileiro é multifacetado – são muitos carnavais, com atrações para todos os gostos, até mesmo para pessoas de outros países!

No século 21, em nosso tempo, o Carnaval brasileiro é uma festa de alcance internacional. Com a chegada de tecnologias digitais ainda mais poderosas – e um investimento pesado de empresas e do poder público –, propaga suas músicas, artistas e modas com uma velocidade impressionante.

Ao mesmo tempo, porém, em especial na área rural e em comunidades mais afastadas e/ou mais tradicionais, cultiva antigas danças, ritmos e fantasias. Em síntese: é um Carnaval poderoso, que pode ser visto, lido e curtido em diferentes formatos.

Assim, esquente o seu pandeiro (ou não!) e bom Carnaval!

O bloco e o trio elétrico – criações do Carnaval brasileiro!

Para ir mais longe – sites que trazem conteúdos históricos e educativos sobre o Carnaval

Enciclopédia Itaú Cultural

Museu Afro Brasil

O Frevo e sua História – Google Arts & Culture

Museu do Samba (RJ)

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

#FuturoPresente: os pesquisadores estão conseguindo ler os papiros de Herculano

Sítio arqueológico de Herculano. Fonte: Wikimedia Commons.

Desde que começaram a ser descobertos, no século XVIII, os sítios arqueológicos das cidades romanas de Herculano e Pompeia (destruídas por uma erupção do Vesúvio no ano de 79 d.C.) revelaram uma quantidade extraordinária de informações. Em objetos, moedas, joias, alimentos, casas, templos, organização urbana e, certamente, nos restos mortais de muitas das vítimas.

Papiros, papiros!

Uma das fontes mais extraordinárias de informações são os cerca de 1.800 papiros descobertos até o momento na chamada “Vila dos Papiros”, em Herculano. Ao contrário do que aconteceu em Pompeia, atingida por um poderoso fluxo piroclástico (mistura de gases, cinzas e fragmentos de rocha que pode chegar a mil graus Celsius e a 700 km/h) que destruiu praticamente todos os materiais orgânicos, Herculano recebeu uma onda de lama vulcânica mais densa. Um material muito quente, que “assou” e queimou tudo o que encontrou pela frente, mas sem dispersar os restos. Com isso, os papiros do que era uma biblioteca privada – pertencente, provavelmente, a Lúcio Calpúrnio Pisão Cesonino, sogro de Júlio César e patrono das artes e da filosofia – acabaram preservados. Devidamente enrolados, como eram conservados os papiros, mas terrivelmente carbonizados e muito, muito frágeis.

O Brasil também tem participação nesse desafio: pesquisadores brasileiros integram uma das equipes que competem para decifrar os manuscritos de Herculano.

Um dos raríssimos “papiros carbonizados” de Herculano. Fonte: Vesuvius Challenge.

O desafio da leitura

Os textos, porém, ainda estavam ali – provavelmente, de obras clássicas conhecidas e até desconhecidas, verdadeiros tesouros da Antiguidade ocidental. Mas, como acessá-los? Afinal, é simplesmente impossível desenrolá-los fisicamente – eles virariam pó em questão de segundos! Desde 1755, quando os primeiros foram descobertos, alguns, de fato, foram abertos fisicamente – e acabaram destruídos…

Esse é o tipo de desafio que inspira cientistas, inclusive pelos resultados que pode gerar para além da decifração dos próprios papiros. A partir disso – mas nascendo de pesquisas anteriores –, em 2023 foi lançado o projeto “Vesuvius Challenge” (“Desafio do Vesúvio”), que oferece um prêmio de US$ 1 milhão para cientistas que conseguirem extrair os textos dos livros usando tecnologias digitais – de aprendizagem de máquina, visão computacional e inteligência artificial.

E surgem as primeiras letras… Fonte: Vesuvius Challenge.

A primeira grande descoberta: o papiro de En-Gedi

A história do “Vesuvius Challenge” começou no início do século, quando o professor Brent Seales, da Universidade de Kentucky (EUA), começou a investigar caminhos para a decifração não invasiva de antigos documentos carbonizados. Em 2015, ele e sua equipe desenvolveram um método para acessar um antigo documento, o Papiro de En-Gedi Levítico (EGLev), descoberto em 1970 na antiga sinagoga de Ein Gedi, em Israel.

A partir de tomografia de raios-x síncrotron e ferramentas de aprendizagem de máquina, o documento – que havia sido queimado em um incêndio ocorrido por volta do ano 600 d.C. – foi lido. E revelou uma das mais antigas cópias existentes do Levítico, livro do Pentateuco e do Velho Testamento da Bíblia.

Em 2022, dois empresários, Nat Friedman e Daniel Gross, decidiram financiar o projeto concedendo prêmios aos “quebradores de papiros queimados”. E começou o desafio de ler os papiros de Herculano.

Qual é o desafio?

Os participantes – equipes e pesquisadores de todo o mundo, inclusive do Brasil – recebem tomografias dos papiros e trabalham para “desenrolá-los” virtualmente, detectando, com uso de ferramentas de IA, os padrões sutis que indicam a presença de tinta dentro das camadas de carvão. Isso, vale ressaltar, é algo muito complexo!

Até o momento, usando esses recursos, já foi possível decifrar o equivalente a 5% de um único papiro. O que parece pouco, mas, na verdade, é uma verdadeira arrancada rumo à decifração completa de muitos papiros. Isso porque os recursos digitais utilizados – além, é claro, da expertise adquirida pelos pesquisadores – têm a capacidade de aprender com a própria experiência, detectando padrões, eliminando erros conhecidos e chegando a resultados de forma cada vez mais rápida.

Quem são os vencedores até agora?

No final de 2023, foram premiados os primeiros vencedores – do “Vesuvius Challenge 2023 Grand Prize” –, que conseguiram decifrar algumas passagens completas de um dos pergaminhos. A equipe vencedora, que recebeu US$ 700 mil, é formada pelos pesquisadores Youssef Nader (Alemanha), Luke Farritor (EUA) e Julian Schillinger (Suíça). As outras três equipes participantes – uma delas, do Brasil – alcançaram a segunda colocação e receberam US$ 50 mil cada.

No caso dos pesquisadores brasileiros – que seguem na corrida pela decifração –, a equipe é formada pelo professor Odemir Martinez Bruno (IFSC/USP), Elian Rafael Dal Prá (mestrando em Física Computacional no IFSC/USP), Leonardo Scabini (pós-doutorando no IFSC/USP), Sean Johnson (administrador de sistemas), Raí Fernando Dal Prá (graduando de Ciências de Computação no ICMC/USP), João Vitor Brentigani Torezan (graduando de Física no IFSC/USP), Daniel Baldin Franceschini (mestrando em Engenharia Química no GIMSCOP/UFRGS), Bruno Pereira Kellm (graduando de Enfermagem na UNOPAR) e Marcelo Soccol Gris (empreendedor). Três dos participantes – Odemir Bruno, Elian Rafael Dal Prá e Leonardo Scabini – pertencem ao Grupo de Computação Científica do IFSC/USP.

Em seu trabalho, a equipe brasileira usou os dados de scanner do papiro obtidos por tomografia feita com um acelerador de partículas. O “rolo digital” foi inicialmente desenrolado e, em seguida, os pesquisadores passaram a buscar sinais de tinta no plano digital resultante. Esses sinais – chamados de “crackles”, pequenos padrões de rachaduras que indicam a presença de tinta – formam letras que, por sua vez, formam palavras e frases. E voilà!

E o futuro?

O “Vesuvius Challenge” continua a todo vapor, instigando equipes e, principalmente, compartilhando os resultados. Essa construção conjunta do conhecimento, somada ao acúmulo de aprendizados pelas próprias ferramentas digitais, certamente vai acelerar a decifração. Com resultados que não olham apenas para o passado, mas que abrem portas para muitas áreas, da medicina à exploração espacial.

E isso é… Futuro Presente! E ele começa na escola!

Para saber mais

Vesuvius Challenge – site oficial do projeto

Portal USP São Carlos – Grupo do IFSC/USP conquista 2º lugar no “Vesuvius Challenge 2023 Grand Prize”

Deutsche Welle – IA ajuda a decifrar “papiro de Herculano” de 2.000 anos

Pompeia – site oficial do sítio arqueológico

Para redescobrir a Matemática na Educação: desafios e caminhos

Inteligência artificial, viagens espaciais, Física, Química, Engenharias, Biotecnologia… todas estas áreas estão “bombando” em 2025 e seguirão assim. E todas elas compartilham um elemento: o uso extensivo da Matemática, em cálculos, algoritmos, medidas, projeções e mais. O que significa que o domínio desse componente curricular é, mais do que nunca, estratégico. Para os países, ele representa desenvolvimento e poder; para as pessoas, possibilidades de crescimento profissional e pessoal.

✔️ DESAFIO EM TEMPO DE DECLÍNIO DA APRENDIZAGEM

E aqui está o paradoxo: embora a Matemática tenha sido essencial ao longo de toda a História, seu domínio se torna cada vez mais crucial no mundo moderno. No entanto, observa-se um declínio global na aprendizagem do conteúdo curricular, inclusive em países que por muito tempo se destacaram como líderes globais em educação, como a Finlândia. Isso indica que os estudantes de hoje dominam menos conceitos matemáticos do que as gerações anteriores.

Avaliações internacionais como o PISA (Programme for International Student Assessment), promovido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), da IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), mostraram que, salvo no caso de alguns países da Ásia, houve uma queda significativa no nível de acerto dos estudantes, o que indica uma aprendizagem deficiente.

✔️ E O BRASIL NESSA HISTÓRIA?

No caso específico dos estudantes brasileiros que participaram da última edição do PISA, em 2022 (a próxima edição acontece neste ano), apenas 27% (pouco mais de um a cada quatro) alcançaram o nível 2 de proficiência, considerado adequado – nele, a pessoa tem capacidade de usar conceitos de Matemática no dia a dia. A média dos países da OCDE, nesse nível, chegou a 69%.

No caso dos níveis 5 e 6 de proficiência – considerados os mais altos de domínio do conhecimento –, apenas 1% dos estudantes brasileiros chegou lá; a média dos países da OCDE foi de 9%.

✔️O QUE ESTARIA PROVOCANDO ESSA RETRAÇÃO NA APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA?

Não há uma resposta fechada. Há, sim, a percepção de elementos que podem ajudar professores e gestores em relação aos objetivos que pretendem alcançar e, também, às habilidades e competências que devem ser desenvolvidas, nos estudantes e nos docentes, para a melhoria da aprendizagem da Matemática na prática.

✔️ VAMOS DESTACAR ALGUNS DELES

📌 A pandemia da Covid-19 provocou um impacto duradouro na Educação Básica, enfraquecendo a aprendizagem de muitos estudantes, prejudicando o ensino presencial e reforçando as desigualdades educacionais em todos os países. Esse impacto pode e deve ser percebido por meio de avaliações diagnósticas da aprendizagem e revertido a partir da aplicação de planos de intervenção que foquem as lacunas de aprendizagem e atuem individualmente, estudante a estudante.

📌 Em muitos países – entre eles, o Brasil – há falhas na formação dos docentes de Matemática. O “remédio” essencial para essa situação é investir de forma permanente em formação continuada, com recursos que valorizem o entendimento do componente curricular dentro da realidade vivida, invistam no interesse e na criatividade dos professores e lhes forneçam meios para planejar e desenvolver aulas que animem, aproximem, engajem e atraiam os estudantes – e que tenham como resultado a aprendizagem verdadeira.

📌 No caso brasileiro, o fortalecimento da formação docente passa, também, por buscar caminhos para estimular os estudantes das licenciaturas em Matemática. Apenas para se ter uma ideia, a licenciatura em Matemática é a segunda com maior percentual de desistências no país – 68% dos estudantes abandonam a graduação –, ficando atrás, apenas, da graduação/licenciatura em Física (72%). Isso implica uma carência crítica de professores graduados em Matemática nas redes de ensino. Ainda que esses docentes não sejam os únicos autorizados a dar aulas de Matemática na Educação Básica, eles podem colaborar muito, também em relação ao aporte de recursos de ensino nos próprios contextos formativos.

📌 O ensino da Matemática deve ser modernizado, com metodologias e recursos que caminhem no sentido do protagonismo do estudante e da aplicabilidade. Alguns exemplos interessantes: metodologias ativas, aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem por projetos e gamificação. Isso não significa enfraquecer os currículos (muito pelo contrário!), mas fortalecer o ensino – começando pela Matemática básica, que é essencial – a partir de exemplos práticos e aplicações.

📌 As recentes limitações ao uso de tecnologias digitais em sala de aula no Brasil, estabelecidas pela Lei 15.100/2025, trouxeram desafios aos professores e aos gestores; desafios que também se relacionam ao ensino e aprendizagem da Matemática. Afinal, elas gerariam uma oportunidade para a promoção de outros recursos que estimulem o raciocínio matemático básico?

Aqui, é interessante fazer uma análise mais crítica do momento e da lei. Ela não veio para “banir” a tecnologia – algo que seria improdutivo e impossível –, mas para regular seu uso a partir de critérios de intencionalidade pedagógica e papel na aprendizagem. Isso, aliás, está na letra da lei:

“Art. 2º – Fica proibido o uso, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas, para todas as etapas da educação básica.

§ 1º – Em sala de aula, o uso de aparelhos eletrônicos é permitido para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, conforme orientação dos profissionais de educação”.

Ou seja: o poder pedagógico das tecnologias digitais está mantido e é até realçado, inclusive em relação à Matemática. Falando sobre esse componente curricular, autores como Ferreira, Campos e Wodewotzki (2013, p. 162) observam que a tecnologia deve ser vista “como parte de uma estratégia colaboradora na medida em que, graças à implementação de algoritmos, viabiliza o trabalho com problemas diversos que envolvem diferentes níveis de complexidade algébrica e grande quantidade de dados”.

Eles também destacam o papel da tecnologia na facilitação do contato com os elementos que compõem a Matemática, uma vez que ela permite a visualização de imagens e pode converter conceitos e ideias abstratas em tarefas, desafios e jogos que engajam e geram sentido. O lúdico, aqui, cumpre um papel muito importante. Além de ser um objeto sociocultural em que a Matemática está presente, o jogo é uma atividade natural no desenvolvimento dos processos psicológicos básicos; supõe um “fazer sem obrigação externa e imposta”, embora demande exigências, normas e controle (Brasil, 1998, p. 47).

O que significa que propostas tecnológicas – e também analógicas, com o resgate de formas tradicionais (desde que não “engessadas” ou desprovidas de sentido para quem aprende) – são primordiais para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático.

Portanto, não é o “limitar” do uso da tecnologia que contribui para esse desenvolvimento, mas a intencionalidade em cada proposta diversificada, que é desenhada a partir de uma avaliação diagnóstica clara e precisa e de um planejamento que (re)dimensione as práticas pedagógicas.

📌 O olhar dos professores e dos gestores para eventos que promovem o interesse e o engajamento em relação à Matemática – como a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) e a Olímpiada Brasileira de Matemática (OBM) – também é algo muito interessante. Eventos como esses possuem a capacidade de, ao mesmo tempo, valorizar a área do conhecimento, promover os estudantes individualmente, fortalecer os laços do grupo e elevar o nome da instituição ou rede de ensino.

📌 E os sistemas de ensino? O papel dos sistemas de ensino – como o da Editora Opet – é fundamental para fortalecer o aprendizado da Matemática. Começando pela oferta de materiais didáticos – as coleções e suas expansões em objetos digitais educacionais (ODEs) –, passando pela metodologia de ensino moderna, pelo apoio à formação continuada dos professores (com recursos que os estimulam e inspiram) e pela avaliação diagnóstica precisa e de alta qualidade na Educação Básica.

No caso das coleções da Editora Opet, elas oferecem – por exemplo – jogos matemáticos que trazem o lúdico à aprendizagem, situando os estudantes no centro deste processo, como protagonistas.

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REFERÊNCIAS:

BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares NacionaisMatemática. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CAMPOS, C. R.; JACOBINI, O. R.; WODEWOTZKI, M. L. L.; FERREIRA, D. H. L. Educação estatística no contexto da Educação crítica. Revista Bolema, v. 24, nº 39, p. 473- 494, ago. 2011.